A inutilidade dos jornais e a cobertura política

Por Antonio Peres Pacheco* Nas eleições municipais de outubro do ano passado, uma vez mais, deparamo-nos com a superficialidade e a inutilidade de que …

Por Antonio Peres Pacheco*
Nas eleições municipais de outubro do ano passado, uma vez mais, deparamo-nos com a superficialidade e a inutilidade de que se reveste, cada vez mais, o conteúdo da maioria absoluta dos jornais impressos. Superficialidade e inutilidade principalmente das páginas dos cadernos destinadas ao noticiário o político.
Em junho de 2004, abordei no artigo "Múmias de Celulose e Tinta" a questão da perda crescente de credibilidade dos jornais impressos e suas causas. Publicado no site www.observatóriodaimprensa.com.br, o artigo repercutiu provocando acalorados debates entre os profissionais da imprensa. E críticas, claro, de proprietários de jornais. Mas, de prático mesmo, pouco, ou quase nada, de toda a discussão afetou o cotidiano das redações. Seis meses depois, aquelas mesmas preocupações ainda vigem, mais avolumadas e incômodas que antes.
A cobertura - ou seria melhor dizer "descobertura" ? - das eleições municipais pela mídia, com ênfase para a imprensa, comprovou que o processo de afastamento do jornalismo atual do interesse público é um mal crônico, gravíssimo, mas incapaz de provocar reações maiores que mal-estares circunstanciais e passageiros a quem dirige e trabalha em veículos impressos.
A leitura diária das matérias do noticiário político durante o processo eleitoral constituiu-se, para mim, em um fermento que fez crescer a massa ácida do inconformismo com o jornalismo que se vem praticando em meu País, em meu estado, em minha cidade.
Na maior parte das vezes, ao terminar de ler as notícias, fiquei mais desinformado e mais confuso sobre quem eram, verdadeiramente, os candidatos a um possível voto meu, tal a desimportância atribuída pelos jornais às idéias, aos ideais políticos-partidários e às fichas pessoal e profissional dos postulantes aos cargos eletivos. Impressionou-me a displicência dos editores, dos pauteiros - será que eles ainda existem e resistem nas redações? - e dos repórteres na cobertura dos bastidores dos partidos, das coligações, dos comitês eleitorais, onde realmente acontecem os fatos que interessam, de fato, aos leitores eleitores.
Senti falta, especialmente, de reportagens de fundo sobre as articulações que levaram à configuração de cada coligação. Onde foram parar as reportagens sobre as implicações de uma aliança entre o PFL e o PT como se fez em vários municípios, tão esdrúxulo quanto seria o resultado do cruzamento de um elefante com uma formiga? Por quê não li nos jornais, por exemplo, quanto, realmente, custou e de onde veio o dinheiro que pagou o mega-show da dupla Zezé de Camargo e Luciano no comício do candidato do PT à prefeitura de Cuiabá, capital de Mato Grosso? E ainda, por quê não interessou a nenhum repórter, pauteiro ou editor de política dos jornais mato-grossenses a ausência dos líderes máximos do PSDB no palanque do candidato tucano - vitorioso afinal e apesar do abandono em que se viu largado pelos maiores expoentes de seu partido - ao executivo da maior cidade do estado? São perguntas cujas respostas, quando dadas, vêm carregadas de desculpas tão inverossímeis quanto as notícias que encheram páginas e mais páginas entre julho e outubro do ano passado.
Esse desinteresse pelo cerne dos fatos, é evidente, não é uma exclusividade só da imprensa de Mato Grosso. Nos chamados "grandes jornais" a realidade tem sido a mesma, excetuando-se algumas fugas da praxe aqui e ali e sempre em situações pontuais. Ninguém, dentro dos jornais, parece querer saber além do aparente, do declarado, do proposto pelos news promotors e news assemblers aos quais se refere Nelson Traquina ao citar os estudos de Molotch e Lester sobre a organização do trabalho jornalístico e sobre a influência da imprensa na política e desta sobre a imprensa.
Se quem tem a informação como meio de sobrevivência não considera a essência desta importante, é legítimo que se pergunte então: para que publicar, divulgar, massificar qualquer fato? E também: para quê servem os jornais? A resposta o leitor já vem dando de forma contundente ao deixar que jornais e revistas envelheçam nas bancas e pontos de venda.
Para os donos de jornais nestas plagas interioranas do Brasil a redução do número de leitores é tema-tabu mais que no litoral, creio eu. Aqui se estabeleceu como regra pétrea não escrita o segredo sobre o número de assinantes, de exemplares impressos e sobre toda informação que possa levar à simples estimativa de quantos são os leitores de cada veículo. Protegidos assim, os jornais da capital e os de maior regularidade de edições no interior do estado, seguem vivendo da publicidade e benesses do Governo do Estado, da Assembléia Legislativa e das prefeituras. E não competem entre si por absoluta falta de necessidade, já que todos se mostram satisfeitos com os quinhões que recebem dos patronos públicos. Nesse contexto, paradoxalmente, os leitores, que deveriam ser o único a quem os jornais deveriam interessar servir, acabam alçados à condição de elemento estranho e incômodo, de ruído, na cadeia de comunicação imprensa-política-imprensa-sociedade.
Esse fenômeno impõe a necessidade de uma reflexão mais apurada sobre o papel que a mídia imprensa passará a desempenhar, em espaço relativamente curto, na sociedade deste começo de século. Se até o final da primeira metade do Século XX a imprensa, conforme registrou Ciro Marcondes Filho em seu excelente "A saga dos cães perdidos", espelhou com rara exatidão a sociedade, nestes primeiros anos do Século XXI dá sinais de que a "síndrome de Narciso" que lhe acomete está lhe comprometendo seriamente a sanidade. Ou não é uma espécie de loucura os donos de jornais e jornalistas insistirem em ignorar os leitores para não desviarem um segundo sequer a atenção de seus próprios umbigos?
> Referências bibliográficas
MALOTCH e LESTER apud TRAQUINA, Nelson. O Estudo do Jornalismo no Século XX, São Leopoldo: Editora Unisinos; 2001.
FILHO, Ciro Marcondes, A Saga dos Cães Perdidos. 2ª ed., São Paulo: Hacker Editores, 2002.

* Antonio Peres Pacheco é jornalista, presidente eleito do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso.
[email protected]

Comentários