A participação do público na reforma dos jornais

Por Carlos Castilho O jornal espanhol El País é a mais nova experiência de adaptação de uma empresa convencional às novas condições criadas pela internet …

Por Carlos Castilho

O jornal espanhol El País é a mais nova experiência de adaptação de uma empresa convencional às novas condições criadas pela internet no mercado da comunicação e da informação (ver aqui). É mais um conglomerado jornalístico que pretende se transformar numa marca ou grife informativa, independente do canal de comunicação usado para chegar até o público consumidor de informações.


A nova estratégia do El País é mais uma  pá de cal na hegemonia do jornal impresso como canal de transmissão de notícias e elemento chave na formação da agenda pública de debates. A meta dos grandes conglomerados da imprensa internacional é agora apostar no prestígio dos títulos de jornais tentando transferir credibilidade para um produto informativo novo, cujo perfil ainda não está claro.


Outros grandes ícones da imprensa mundial como o The New York Times, The Washington Post, The Guardian e Le Monde estão apostando na mesma alternativa mas usando estratégias diferentes. No Brasil também existem projetos de adaptação à nova realidade, como os do grupo Globo e RBS, mas eles são bem menos arrojados porque nossas empresas são muito mais conservadoras e também porque a situação financeira delas ainda não é tão difícil quanto as da Europa e dos Estados Unidos.


Ao abandonar a plataforma papel como a base principal do seu modelo de negócios e optar pela aposta na qualidade da informação como fator capaz de gerar valor agregado ao seu produto, as empresas jornalísticas estão dando um salto no escuro porque elas passam a depender de credibilidade e este é um fator extremamente volátil, em especial no ambiente digital.


Além disso, as empresas testam um novo modelo de negócios baseado na oferta de notícias e informações qualificadas, sem dar a devida atenção ao fato de que o sistema de produção de conteúdos jornalísticos está mudando radicalmente. Estamos entrando rapidamente no contexto da produção coletiva e colaborativa de informações, enquanto a quase totalidade dos jornais ainda está atrelada à cultura da notícia feita e empacotada dentro das redações.


A informação e o conhecimento são cada vez mais o resultado da ação de agentes independentes e da colaboração entre milhares de indivíduos cuja característica mais valorizada não é a sua titulação acadêmica ou experiência profissional, mas a diversidade de experiências.


Quem diz isto não são nerds messiânicos ou delirantes, mas executivos de empresas como Procter & Gamble (produtos de higiene), Dell (computadores), Lilly (indústria farmacêutica) e a agência espacial norte-americana (NASA). A P&G e os laboratórios Lilly são os principais incentivadores do projeto InnoCentive, lançado em 1998, e que se apóia na colaboração de entre cientistas e pessoas comuns na busca de soluções inovadoras  para problemas complexos.


Experiências como a do InnoCentive estão se reproduzindo rapidamente em várias áreas, tanto da atividade industrial como na academia. Todas elas estão apoiadas num elemento principal: a coleta do conhecimento desenvolvido por pessoas que não são consideradas especialistas, como mostram os trabalhos de instituições como o Departamento de Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC), da Universidade Federal de Santa Catarina.


Se vocês se interessarem, há muito material sobre isso publicado tanto em livros como na Web. Não dá para me alongar demais aqui porque o importante agora é mostrar o que isto tem a ver com o jornalismo e a imprensa. A notícia não é mais um monopólio e um privilégio das redações, da mesma forma que as grandes descobertas cientificas deixaram de ser um monopólio dos centros de pesquisas, como mostra o caso das novas galáxias e novos fenômenos estelares, identificados por amadores.


A notícia e a informação estão nas comunidades sociais e na multidão de indivíduos conectados em redes. É o público que começa a produzir informações, como prova o fenômeno dos blogs e da enciclopédia virtual Wikipédia, cujo princípio da autoria coletiva e anônima foi reconhecido até mesmo pela secular Enciclopédia Britannica, que decidiu abrir ao publico parte da produção dos seus verbetes.


Os jornais já tentaram se transformar verdadeiras federações de blogs, mas a experiência não apontou resultados conclusivos. O problema não está no formato blog, mas no conteúdo, já que os blogs de jornais, geralmente, não passam de colunas assinadas e publicadas na Web. A participação do leitor é quase nula.


O grande problema é como envolver o público na produção da informação e das noticias de um jornal. Quanto a isto existem apenas experiências parciais como a do jornal sul-coreano Ohmy News ou da emissora colaborativa norte-americana Current TV. Sem o envolvimento do público, é impossível o jornal produzir todas as informações que a comunidade necessita, porque haveria necessidade de uma redação enorme, o que inviabilizaria financeiramente o projeto.


A outra alternativa é optar pela segmentação, ou seja, os jornais deixariam de ser supermercados da informação, como atualmente, para funcionarem como butiques ou nichos informativos. Mas ainda assim a participação do público seria essencial porque a colaboração voluntária serviria para contrabalançar o faturamento obviamente menor.


Este assunto merece ser mais discutido, principalmente por meio da participação dos leitores do Código. Os jornais estão fazendo de tudo para chegar a um novo modelo de produção de informações, mas uma coisa parece certa: sem o envolvimento do público consumidor de notícias, vai ser muito difícil atingir este objetivo.


*Carlos Castilho é jornalista, professor e cursa pós graduação em Mídia e Conhecimento no EGC/UFSC. O artigo foi publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br

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