Amanhã não teremos jornais

Por Marcus Miranda* Há alguns meses, diversos jornais brasileiros e estrangeiros reproduziram matéria do The Independent, publicação inglesa, na qual se anunciava que a …

Por Marcus Miranda*
Há alguns meses, diversos jornais brasileiros e estrangeiros reproduziram matéria do The Independent, publicação inglesa, na qual se anunciava que a Terra estava em perigo, pois um asteróide, com mais de 1 quilômetro de largura e aproximadamente 2,6 bilhões de toneladas, rumava rapidamente em direção ao nosso planeta a uma velocidade de 115 mil km/h. Era anunciada, inclusive, a data do choque: 21 de março de 2014.
Um dia depois, a Nasa desmentiu a possibilidade da colisão.
Esta notícia teve característica importante, que foi propiciar uma discussão sobre o sensacionalismo na nossa imprensa, mais de um século após o surgimento deste "estilo de fazer jornal", nos Estados Unidos. A yellow press, dos EUA, foi assim denominada por causa do personagem em quadrinhos Yellow Kid, lançado por Joseph Pulitzer, que se tornou objeto de disputa entre Pulitzer e William Hearst, num verdadeiro vale-tudo de temas para atrair leitores, incluindo violência, sexo, deturpação de fatos. No Brasil, este tipo de mídia foi denominada "imprensa marrom", uma cor menos sutil, mais direta.
Os aspectos que caracterizaram o surgimento da publicação de matérias voltadas para o lado emocional, e não à razão dos leitores, nos Estados Unidos e no mundo, continuam atuais.
Quando falamos em sensacionalismo queremos falar, entre outras coisas, da manipulação da informação de modo incompleto ou parcial e a apresentação dessa informação numa forma exagerada ou enganadora. Sensacionalismo envolve, também, a certeza de verdade absoluta em determinados fatos, quando o que se tem são opiniões, hipóteses, casos isolados.
É querer demais
Matérias com chamadas do tipo: "Apagão vai parar até os sinais de trânsito - Túneis da cidade ficarão às escuras com os cortes de energia programados" (Extra, 11/5/2001, pág.16); "Atendimentos de 20 filantrópicas ameaçados" (O Globo, 10/2/2003, pág. 12); "Feriados podem contribuir para a chegada da epidemia de conjuntivite"(O Globo, 17/4/2003, pág. 16) e "Vias expressas podem ficar na penumbra" (O Globo, 21/2/2003, pág. 16), entre outros exemplos, comprovam que em dois dos jornais de maior tiragem no Rio de Janeiro, que atingem quase 60% dos leitores, o uso de manchetes e matérias com conteúdo sensacionalista é uma realidade, mesmo que intermitente.
Quando se imaginava que os editores, principais responsáveis por essa deformação jornalística, incluindo os das editorias de Cidade, tivessem amadurecido, eis que temos de volta o sensacionalismo, com força total. O agravante é que, ao contrário de editorias como Política e Economia, onde há espaço de sobra para a especulação, em Cidade deveria haver uma preocupação constante com o predomínio de fatos sobre opiniões e "achismos".
Caraca, como dizem os adolescentes, juntar editores, querendo e precisando vender mais e mais jornais, com repórteres pressionados pelo tempo e com um monte de pautas é realmente um pacto sinistro. Como já vimos o filme, sabemos que quem perde é o leitor.Na guerra, a primeira vítima costuma ser a verdade. No sensacionalismo, com seu discurso simplificador e primário, a função social da imprensa é substituída por uma visão meramente comercial, de aumento de tiragem/audiência do veículo.
Da mesma forma que sabemos que a Terra ainda não tem data e hora para acabar, os sinais de trânsito não foram apagados, as entidades filantrópicas não fecharam, não houve epidemia de conjuntivite no Rio de Janeiro e as vias expressas não ficaram na penumbra, também notamos que estes jornais não disseram aos leitores: desculpem-nos, erramos. Talvez, isto seja querer demais.
* Marcus Miranda é jornalista. O artigo foi publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br


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