Em busca do diploma perdido

Por Antônio Brasil Tive o privilégio de ser convidado pela direção da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) para participar do Segundo Encontro dos Jornalistas …

Por Antônio Brasil
Tive o privilégio de ser convidado pela direção da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) para participar do Segundo Encontro dos Jornalistas de Imagem (28/5), realizado em conjunto com o 30º Congresso Nacional dos Jornalistas (29/5 a 2/6), em Manaus (AM). Deveria proferir uma palestra sobre "A manipulação da imagem no jornalismo". É um assunto importante e muito polêmico, mas o maior interesse dos participantes era aproveitar a oportunidade e discutir a própria natureza daquele nosso "encontro" frente a um "congresso". A palestra, então, acabou se tornando uma reflexão com debates acalorados sobre o perfil desse novo segmento da nossa categoria, o "jornalista de imagem". Quem seria ele?
Essa nova designação é um grande avanço numa área extremamente sensível da nossa prática profissional. Existe muito preconceito e desconhecimento em relação à imagem e aos profissionais que se dedicam a essa forma tão específica de comunicação jornalística. Essa nova categoria profissional se contrapõe às definições segmentadas anteriores que simplesmente indicavam funções técnicas e alterações semânticas que tornaram os fotógrafos em repórteres-fotográficos, cinegrafistas em repórteres-cinematográficos e tantas outras especializações que ainda buscam uma identidade comum no jornalismo e na imagem.
Os salários, no entanto, continuam baixos e os preconceitos, disfarçados. Agora surge um novo jornalista, mais moderno e abrangente - o jornalista de imagem -, mas ainda de segunda classe, com enormes disparidades em relação ao demais jornalistas. Ao contrário dos demais profissionais da categoria, não se exige diploma para os responsáveis pela imagem de nossos jornais ou telejornais. É claro que existe uma preocupação sincera por parte de muitos jornalistas para mudar esse quadro de injustiça dentro da profissão. A própria realização do encontro da categoria é uma prova disso, mas o pequeno número de profissionais mobilizados e os problemas na organização de um evento como esse revelam o longo caminho que ainda deve ser trilhado. Em alguns pontos, os problemas e objetivos se assemelham ao início do fóruns dos professores de Jornalismo. Os obstáculos se assemelham mas as promessas e os exemplos bem-sucedidos poderiam se imitados. Os encontros de jornalistas de imagem têm muito o que aprender com os colegas das universidades.
O que é inegável - e ao mesmo tempo inadiável - é a necessidade de buscarmos soluções para esses jornalistas de "segunda classe". É uma questão complicada: eles são o produto de um certo descaso histórico da categoria dos jornalistas com os colegas que lidam com a imagem. Todos sabemos, mas não gostamos de admitir, que, tradicionalmente, cinegrafista é o ex-motorista, o ex-boy ou outros tipos de "trabalhadores" não formados (mas não menos capazes e dedicados) das nossas redações. Muitos têm uma origem diferenciada, são mais humildes. Sem dinheiro e sem dominar o poderoso mundo das palavras, têm dificuldades para ingressar numa dessas fábricas de diplomas que garantem legitimidade acadêmica de boa parte dos nossos colegas. Infelizmente! Os técnicos se tornam "jornalistas" com uma certa condescendência dos mais letrados e a eles é permitido entrar na profissão pela porta dos fundos. É jornalista mas sem diploma e, injustamente, a maioria dos jornalistas nunca se importou muito com isso.
Algumas medidas foram tomadas e recusadas; mas, de concreto, a porta dos fundos continua aberta para um pobre se tornar jornalista, mesmo que seja de segunda classe. Agora, com a liminar da Justiça, voltamos a encarar essa injustiça histórica. Mas a solução permanece delicada e complicada. Este foi um tema polêmico no encontro. Afinal, jornalista de imagem, hoje, também inclui profissionais renomados e respeitados como os chargistas e cartunistas. Sem dúvida, estamos com mais um problema a resolver nos próximo encontros.
Transparência e interatividade
Do Congresso propriamente dito, gostaria de destacar a sua abertura e uma histórica polêmica no painel inaugural: um duelo entre o brigadeiro tecnológico e a senadora seringueira. A senadora Marina Silva (PT-AC) rebateu as poderosas demonstrações do poderio do projeto Sivam para a Amazônia que foram apresentadas de forma high tech, com muitos dados e ilustrações de computador, pelo brigadeiro-do-ar Teomar Fonseca Quirico. Marina apresentou a sua proposta para a Amazônia com algumas poucas transparências mal acabadas, mas contundentes. Lembrou seu passado de professora primária em escolas do interior do país. Falou e demonstrou com fotos dramáticas que toda a milagrosa tecnologia de hoje não conseguiu eliminar um problema tão básico com a fome no Brasil e no mundo. Foi emocionante.
No mais, foi um congresso em que, pela primeira vez, a palavra "consenso" se sobrepôs às tradicionais rivalidades internas. Defende-se a Fenaj mas se busca um aprimoramento dos seus estatutos e objetivos. A representatividade dos estados e sindicatos na Federação, assim como as novas formas de financiamento de um movimento sindical em crise, também foram temas muito debatidos. Ao contrário de outras oportunidades, fez-se muita política nos corredores e nas comissões para se evitar os tradicionais "rachas". A categoria parece buscar uma unidade inédita que vai além do próprio jornalismo. Busca-se uma integração maior com outras categorias - como os radialistas, gráficos, profissionais de telecomunicações e outras áreas afins - para criar uma federação de profissionais de comunicação. Uma resposta ousada à união cada vez maior dos patrões.
Em Manaus, os sindicalistas jornalistas pareciam estar se preparando para viver novos tempos. Deixar de ser oposição e se tornar governo. Existe um indisfarçável otimismo em relação às próximas eleições.
O Congresso também teve a mobilização de estudantes que fizeram uma inédita e ruidosa manifestação na plenária (pela primeira vez estudantes participaram do Congresso de jornalistas como delegados convidados) e trouxeram palavras de ordem na luta pelo diploma. Mas também houve muita discussão e apresentação de teses com propostas concretas sobre a qualidade do ensino de jornalismo. Só defender o diploma não garante nem qualidade da formação nem o emprego. Existe unanimidade em relação à formação superior mas ninguém discute que os cursos de Jornalismo, em sua grande maioria, são muito ruins.
O fantasma do desemprego também continua rondando, mais do que nunca, os nossos congressos. Muitos parecem assustados com as novas tecnologias e com o futuro. Mas já se discute as alternativas. Alguns já perceberam que desemprego não quer dizer necessariamente "falta de trabalho". Não é uma solução ideal para um movimento sindical, que sempre defendeu a empregabilidade, mas há quem defenda a existência de novas alternativas de trabalho num cenário de mercado virtual.
O Congresso só teve uma grande disputa: o local do próximo evento. Ganhou a Paraíba, em votação apertada contra Minas Gerais. Sediar um Congresso de jornalistas ainda é uma grande oportunidade de demonstrar força política e capacidade de mobilização, tanto das bases como de recursos econômicos.
Para sensibilizar os delegados, os sindicalistas nordestinos chegaram a prometer uma grande novidade para o próximo Congresso - algo que já defendemos neste Observatório, em diversas oportunidades: transmissão ao vivo via internet com direito a interatividade, para todos os jornalistas. Isso pode mudar completamente a própria noção de Congresso de delegados de jornalistas para passar a ser um verdadeiro Congresso de Jornalistas. Também pode se tornar um diferencial no problema mais sério do sindicalismo de hoje, que tem no desinteresse e na omissão das bases o seu maior inimigo em relação ao futuro.
Novas tecnologias podem causar desemprego para alguns e ser encaradas com receio por aqueles que não as dominam. Podem também ser responsáveis por uma maior transparência do movimento sindical e de eventos como o de Manaus. Assim como cobramos uma efetiva participação dos nossos representantes políticos, também está na hora de exigir uma atuação mais clara e objetiva dos delegados jornalistas em congressos tão importantes. A tecnologia para isso já existe. É só ter coragem e ousadia para mostrar com imagens o exercício de uma democracia mais legítima, representativa e responsável.
* Jornalista, coordenador do laboratório de TV, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ. Artigo publicado originalmente no site Observatório da Imprensa

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