Feliz Ano-novo

Por André Martins O hífen poderia ser visto até como símbolo de masculinidade, uma proeminência aguda que sai de uma palavra, penetra na outra …

Por André Martins

O hífen poderia ser visto até como símbolo de masculinidade, uma proeminência aguda que sai de uma palavra, penetra na outra e gera uma terceira. Mas hoje vive na mais completa impotência e infertilidade do esquecimento.


Na página 126 da segunda edição revista e ampliada de um velhíssimo Aurélio, entre anônimo e anopistógrafo, lá está ele: ano-novo. Mas ninguém dá a mínima. Coitado do hífen. Nem às vésperas do que poderia ser a sua participação mais emocionante, a virada do ano, lembram dele. Nos clássicos encerramentos das mensagens dos cartões de Natal, todo mundo escreve Feliz Natal e um Próspero Ano Novo, votos de muita paz e felicidade, Fulano de Tal. E o hífen não está ali, todo feliz da vida, interligando as palavras ano e novo. Uma honra tornada desgraça.


É de pasmar até que ponto chega a indiferença. Nem os poetas e escritores o respeitam, tanto que Drummond deixou o hífen de fora do seu famoso poema Receita de Ano Novo. Para dilacerar ainda mais a infelicidade do hífen, Rubem Fonseca escreveu o grande sucesso Feliz Ano Novo.


E a tortura continua. Na página 1225 do Pai dos Burros, entre onixe e O.N.O., a palavra é on-line. Mas todo mundo a usa desconectada de sua matriz. O uso de online já é tão habitual que virou usucapião. Ao que tudo indica, sem o tracinho há mais interatividade.


O aquecimento do planeta gerou filas de gente a comprar ar condicionado, principalmente no clima "temperado" de Porto Alegre. Impossível. Está na página 159, entre arco-íris e arcontado, que se compra ar-condicionado (aparelho), não o ar condicionado. Mais uma vez, eis aí o nosso hífen ardendo no calor do inferno.


E tem aquelas palavras que deviam estar juntinhas numa só e que se coloca um hífen ou um espaço no meio só pra magoar o coitado. O que tem de micro computador, video-cassete e rádio gravador por aí, não é brincadeira.  


Ao que consta, nem os filólogos, gramáticos e professores de português fizeram algo em defesa do nosso sinal diacrítico usado para ligar os elementos de palavras compostas. Abandonaram-no ao sabor dos ventos da escrita inculta e informal. Que sina, a do hífen. 

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