Lagostas na 5ª Avenida

Por J.A.Moraes de Oliveira O táxi me levou diretamente do aeroporto para a agência e passei o dia inteiro em uma interminável reunião sobre …

Por J.A.Moraes de Oliveira

O táxi me levou diretamente do aeroporto para a agência e passei o dia inteiro em uma interminável reunião sobre uma nova campanha multinacional. Lá fora, a cidade de New York estava coberta por uma fina camada de neve, enquanto a calefação ronronava suavemente, aquecendo as discussões daquilo que - muitos anos depois - ganharia o rótulo de comunicação globalizada.


Já era quase noite quando a reunião terminou, sem uma mensagem que fosse capaz de funcionar em seis idiomas diferentes. Foi quando lembrei que eu tinha um jantar com o vice-presidente internacional da agência. Fugi de um animado debate entre o colega mexicano e o alemão, escapando para o banheiro mais próximo. Troquei de camisa, deixei a mala com um colega e corri para a rua.


A Sexta Avenida fervilhava de táxis ocupados por gente apressada, enquanto as garagens expeliam grandes limousines negras. O jantar estava marcado para as 19 horas no restaurante do "University Club", a uns cinco quarteirões de distância. Perto demais para um táxi e longe demais para uma caminhada sob a neve que voltava a cair sobre a cidade.


Quem me esperava era um cavalheiro à moda antiga, pontual e de hábitos regulares. Todos os dias, ele tomava o trem das 18h35 na Grand Central para Newport, onde morava em uma casa cercada por um bosque de tílias e carvalhos. Naquela noite, ele estava quebrando sua preciosa rotina para jantar comigo. E eu estava atrasado.


Thomas Sweitzer era vice-presidente da NW Ayer, a agência que assinara um acordo com a MPM Propaganda para atender a conta da PanAmerican na América Latina. Enquanto caminhava com todo o cuidado pelas ruas manchadas de neve, imaginei a razão daquele jantar. Um vice-presidente senior de uma das maiores agências do mundo não tinha como função entreter um diretor de contas de uma agência sul-americana. Thomas estava querendo me dizer como aquele cliente de milhões de dólares era importante demais para ele e para sua agência.


Eu nunca havia entrado em um clube "only for men", onde mulheres não são admitidas, a não ser em ocasiões especiais. O "University Club" é um destes lugares, uma instituição típica do patriciado republicano norte-americano, e está alojado em uma réplica de um palazzo florentino em plena 5ª Avenida.


Um solene mordomo me encaminhou até a biblioteca. Thomas me aguardava sem mostrar contrariedade pelo meu atraso de 30 minutos. Admirei as paredes da biblioteca cobertas por livros raros e quadros originais dos presidentes norte-americanos. E, em uma vitrina, estava a coleção completa do "The New York Times" - diariamente se exibe ali a primeira página da edição de exatos 100 anos atrás.


Eu já estava suficientemente impressionado com tudo aquilo, quando entramos no salão do restaurante, com um pé direito de três andares. E comecei a me questionar:"O que eu estou fazendo aqui?". Tom recusou os cardápios forrados de couro, lembrando que era o dia de lagostas frescas do Maine e sugerindo Escargots aux sauce provençale como entrada. Eu concordei, feliz por estar jantando em um dos mais fechados clubes executivos de New York.


Mas minha euforia duraria pouco.


Uma completa bateria de talheres de prata começou a ser alinhada à minha frente, sobre a toalha de linho engomada e ao lado de pratos de louça inglesa. Examinei o completo jogo de pinças, ganchos e garfos de dois dentes, deduzindo serem os instrumentos que os cavalheiros educados usam para destrinchar e saborear escargots e lagostas.


Eu deveria ter me contentado com uma simples salada e um filé mignon.


Tentei parecer à vontade, mesmo quando Tom escolheu um borgonha branco que devia custar metade de meu salário. Minutos após, começou o teste com os escargots. Repetindo os gestos de meu anfitrão, consegui algum sucesso - nenhum deles saiu rolando pelo piso quadriculado de mármore.


Um carrinho chegou à mesa com uma grande travessa de prata exibindo duas majestosas lagostas. E eu não tinha a menor idéia do que fazer com a longa bateria de talheres à minha frente.


Para minha sorte, Thomas logo percebeu que a minha experiência em abrir e trinchar lagostas inteiras era próxima ou igual a zero. Ele sorriu para o maitre d" e disse que preferíamos comer as lagostas com as mãos.


O maitre não levantou nenhuma sobrancelha, mas fez um sinal e um garção surgiu do nada, carregando duas lavandas de prata e enormes guardanapos de linho.


Aos poucos, fui ficando à vontade, com a considerável ajuda de mais uma garrafa de um dos melhores blancs de blanc que provei em minha vida.


Fui dormir exausto e feliz -  eu conseguira sobreviver ao teste dos escargots e da lagosta. E Thomas havia conseguido tomar o trem das 21h40.


No dia seguinte, o cliente aprovou a campanha brasileira sem mudar uma única palavra.

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