Lembranças do Glauco

Por Mario de Almeida* Conheci Glauco Rodrigues, em 1957, na casa de Olga e Carlos Reverbel, na Coronel Bordini, casa do lado esquerdo a …

Por Mario de Almeida*
Conheci Glauco Rodrigues, em 1957, na casa de Olga e Carlos Reverbel, na Coronel Bordini, casa do lado esquerdo a uns 50 metros de quem, da Mostadeiro, virava à direita. Certa vez, querendo mandar um postal para a Olga, de Paris, cidade onde Carlos e ela moraram, dei-me conta que havia esquecido o endereço. Enfiei o postal num envelope, onde escrevi uma mensagem para o carteiro e disse-lhe se ele fosse novo na área que consultasse seu antecessor. Desenhei o local e Olga recebeu o postal.
Naqueles anos, o endereço dos Reverbel era um ponto de encontro das artes e da inteligência gaúcha. Lá conheci boa parte de futuros amigos, como Glauco Rodrigues. Ele, mais Glênio Bianchetti e Danúbio Gonçalves já haviam criado o Clube da Gravura de Bagé, de onde saira, também, Carlos Scliar que, com Vasco Prado, criara o Clube de Gravura de Porto Alegre onde, depois, todos se juntaram. Como se vê, Bagé vingou-se bem da desgraça de ter sido berço de um ditadorzinho, incluindo nessa vingança a consagrada escritora Edy Lima.
Glauco despediu-se da paleta e dos pincéis na tarde de sexta-feira, dia 19. Naquela noite, eu que acabara de voltar para casa após uma delicada cirurgia na carótida, quando recebi a notícia, só pude "viajar" pelas lembranças do amigo. Dia seguinte, li o obituário dos principais jornais do país que, de um modo geral, estavam corretos e destacavam a "opção Brasil" na obra do artista.
Quando fugi para São Paulo, do terror implantado em Porto Alegre, nos primeiros dias da "Redentora" de 1964, pouco depois mudava-me para o Rio. Glauco e Norma ocupavam um apartamento-atelier numa cobertura da última quadra da Rua Xavier da Silveira, em Copacabana. Lara de Lemos e eu morávamos a menos de 100 metros, na última quadra da Rua Pompeu Loureiro.

Eu levava uma vantagem sobre o Glauco: era vizinho, de edifício, do grande compositor Francisco Mignone, hoje um busto a 50 metros daquele seu último endereço, na Praça Eugênio Jardim.
No início de 1976, fui chamado à Rede Globo para palpitar sobre um presente que diretores da casa queriam oferecer a Walter Clark - o todo poderoso Diretor Geral - por ocasião de seu quadragésimo aniversário, em 14 de julho. Lembrei-me dos últimos trabalhos do Glauco Rodrigues e sugeri que eles o chamassem, acertassem condições e preço e fornecessem a ele todo um material referencial para que o trabalho, além de um retrato, fosse uma alegoria sobre as atividades do homenageado. Sugestão aprovada por unanimidade, fui encarregado do contato inicial e, em julho, Walter se deslumbrava com uma obra de arte que, além de retrato, era seu mais importante e genial currículo.
No meu livro, "Antonio?s, caleidoscópio de um bar", conto um episódio que reproduzo aqui.
A COINCIDÊNCIA
Glauco Rodrigues estava acompanhado na mesa 5. Fui levar o abraço ao velho amigo, sentei-me e Glauco apresentou:
- Mario, minha mulher.
Dei a mão e ela disse:
- Prazer, Norma.
Surpreso, perguntei:
- Como?!
E ela repetiu:
- Norma.
Caí na gargalhada e o grande astral de mesa 5 funcionou. Norma e Glauco também cairam na risada. Explicação: Glauco casou-se e enviuvou de Norma Araújo Correa e, em 1984, casou-se com Norma Estellita Pessoa.
* * *
Foi-se o amigo e, muito além das recordações de um bom convívio, ficou uma obra múltipla, duradoura, inclusive em livros já editados.
Lembrei-me que quando a Cia. Tônia-Autran-Celi apresentava-se em Porto Alegre, em 1957, criou um concurso entre artistas locais para os cenários do próximo espetáculo: Frankel, de Antonio Callado. Glauco foi o vencedor, e um dos livros que conta isso é "Um Teatro Fora do Eixo", de Fernando Peixoto, cuja capa é uma serigrafia do Glauco que, inclusive, eu tenho: "Gaúchos".
Fica em paz, Glauco, e guarda um lugar para mim na mesa 5.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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