Michael Jackson morreu aos poucos

Por Carlos Saul Duque Vi “This is it”, o documentário sobre a última turnê de Michael Jackson. Aquela que não saiu. Confesso que não …

Por Carlos Saul Duque
Vi "This is it", o documentário sobre a última turnê de Michael Jackson. Aquela que não saiu. Confesso que não estava muito a fim, mas o convite para o telão com blue ray do amigo era irrecusável. Não pelo filme, mas pela companhia. E fui.
Não me arrependi. Como filme, "This is it" é fraco. Como documentário, apenas um registro. Se Michael Jackson não tivesse morrido, seria mais um making of de turnê (se é que seria montado e lançado, pois a maior parte das cenas foi feita para os registros pessoais dele). Só que M.J. é magnético. Mesmo fraco e deformado, sua personalidade é um imã gigantesco, quase um experimento sobre a doideira humana, a fama, a criação e tudo que gira ao redor do mundo pop.
Vamos deixar claro uma coisa antes de avançarmos: sou fã do Jacko, achava ele um grande artista, genial até. Se era louco ou não, acho que nem precisamos discutir. No documentário, a insanidade do sujeito desfila a passos largos. Mas é tratada com muito respeito pela câmera. Só que junto com a loucura vem a genialidade, o perfeccionismo e a criatividade de um personagem que moldou a cultura pop desde os seus dez anos de idade.
Michael Joseph Jackson tocava piano, violão e diversos instrumentos de percussão. Além de cantar, dançar e atuar, escrevia e compunha canções, além de ser produtor e coreógrafo. Nos seus cinquenta anos de vida (e mais de 40 de carreira) quebrou recordes e paradigmas do mundo pop - além de quebrar financeiramente a si mesmo.
Em "This is it" dá pra ver tudo isso passando em slow motion pela frente. O show era pra ser memorável. Cada detalhe do perfeccionismo de M.J. é exercitado nos ensaios e nas aprovações de cenários e penduricalhos de centenas de milhares de dólares que vão sendo mostrados durante o filme. Explosões, cemitérios de mortos-vivos, florestas tropicais, está tudo lá, mostrando o passado glorioso e as crenças pra lá de duvidosas do único americano que nasceu preto e pobre para morrer branco e rico. 
Mas o mais fascinante não é o dinheiro, nem a mobilização, mas o próprio Michael Jackson. É fantástico ver de perto o mundo criado por ele, e que só pode existir ao redor dele. M.J. tem o tom de voz de uma criança tímida, agradece o tempo todo, mas a personalidade da criatura que sempre traçou o seu caminho, sempre fez do seu jeito, está sempre presente. A fragilidade física é aparente, principalmente quando os robustos dançarinos de vinte e poucos anos mostram com todos os músculos o poder das suas coreografias. A voz está todo o tempo sendo poupada e pouco se houve dela. Mas a graça do dançarino e a afinação do cantor estão lá, presentes em cada gesto dele. E isto é emocionante. 
A reverência com que todos o tratam também é impressionante. Uma cena é emblemática: os dançarinos da turnê, recrutados ao redor do mundo, são entrevistados logo após a seleção final. E todos choram copiosamente pela oportunidade de trabalhar com Michael, tem em Michael o seu exemplo e seu ideal. O público na porta do teatro segue histérico, como se estivéssemos nos anos 80. E muitos dos que se desesperam para tocar o ídolo nem sequer eram nascidos na época. 
M.J. é o rei do pop. Mais do que isso, ele é o maior rei da história do mundo ocidental. Ninguém tem a sua majestade, nem o número de súditos. E se tem, com certeza não tem o amor incondicional de todos eles. Por trás do freak, do Wacko Jacko, do Peter Pan auto-mutilado, do dandão fascinado por criancinhas, há um artista cujo legado é inacreditável.
Acho que Michael Jackson começou a morrer no momento em que aceitou fazer a turnê, um esforço físico e mental que já estava além das suas forças. Ao longo do documentário, vê-se a sua pouca energia se esvaindo no esforço de tentar acompanhar os adolescentes movidos a toddy que dividem o palco com ele. Michael Jackson vai morrendo aos pouquinhos na frente de todos, e todos não sabem do final trágico da história. E eu, sentado na frente do telão com blue ray, fico imaginando se ele sabia que a imortalidade, essa ingrata, só serve para os outros. Pois sempre chega depois que o principal interessado já foi desta para melhor.

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