Mudança de hábito

Por José Carlos Torves* Em agosto de 1979 foi criada a ANJ (Associação Nacional de Jornais), motivada pela reação do patronato à greve dos …

Por José Carlos Torves*
Em agosto de 1979 foi criada a ANJ (Associação Nacional de Jornais), motivada pela reação do patronato à greve dos jornalistas de São Paulo, logo apoiada pelos cariocas, em maio do mesmo ano. Daquela época em diante, a discussão incipiente sobre a mídia, que havia nos anos 70, passou a ser tabu nas redações, inclusive a própria greve daquele período não teve a mínima discussão e jamais foi mencionada pelos veículos, como se nunca tivesse ocorrido. A ANJ passou a agir como rolo compressor, com medidas que jamais chegaram à sociedade, como a juvenilização das redações, demissões em massa dos jornalistas mais experientes, o marketing se tornando o eixo das decisões, criando uma relação incestuosa entre os departamentos comercial, circulação e editorial, culminando com o endividamento das empresas de comunicação, que de chapéu na mão foram pedir ajuda ao governo (BNDES), verbas públicas para sair da crise galopante que ameaça o setor. Aliás, setor este que se acostumou a ganhar dinheiro fácil. Primeiro foram as verbas governamentais, subsídios, depois foram os classificados e os grandes anunciantes privados, e finalmente deixou de vender informação para o leitor e passou a vender influência. A atual crise é conseqüência direta da perda de credibilidade dos veículos junto à sociedade brasileira.
Outro fato relevante, que não dá para ser esquecido, é a pressão da ANJ, da década de 90 em diante, sobre a Câmara dos Deputados para evitar a atualização da Lei de Imprensa, uma norma criada pela Ditadura Militar.
Este é um breve histórico da não muito nobre razão da criação da ANJ e de sua trajetória que os leitores não vão ver nas páginas dos jornais.
No último dia 14 de fevereiro, em São Paulo, a mesma ANJ, em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil, lançou a Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa. Aparentemente uma iniciativa que deveria ser recebida com entusiasmo pela sociedade brasileira, se não fosse a diferença oceânica que separa as razões e os conceitos de liberdade de imprensa das duas entidades, obviamente sem levar em conta o histórico de cada uma.
Segundo Bia Barbosa, jornalista da Agência Carta Maior, Jorge Wertheim, representante da Unesco no Brasil, entende que a liberdade de imprensa só pode ocorrer com a democratização do acesso à informação, inclusão digital, formação de leitura crítica da mídia, e que toda a sociedade tenha a liberdade de exprimir idéias e opiniões. Já para a ANJ, o conceito de liberdade imprensa é bem outro: não suporta controle público da informação, democratização das comunicações e é avessa a dar voz para quem pensa diferente dos proprietários dos meios de comunicação.
É bom lembrar que a maioria dos 130 sócios da ANJ tem propriedade cruzada neste setor, isto é, controlam ao mesmo tempo rádio, tv, jornal, revistas e sites. Segundo a própria ANJ, seis empresas controlam mais de 50% de toda a informação impressa que circula neste país. A Rede Globo cobre 99,84% do território nacional, e a RBS, grupo que pertence à família do presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, retransmissora da Globo, cobre 99,7% do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, apenas para citar dois exemplos do que também ocorre nos demais estados brasileiros.
Embora seja sabido, não é demais lembrar o crescimento da mídia brasileira no período da ditadura militar, da qual foi parceira de primeira hora, inclusive recebendo os censores dentro das redações, como figuras ilustres, no seu trabalho de censura à liberdade de imprensa.
O setor de comunicações no Brasil não atualiza sua legislação há 40 anos. Não há critério na distribuição de concessões, a renovação das mesmas é uma caixa preta, a maioria das empresas está com dívidas no INSS, FGTS, Receita Federal, além de denúncias de remessa de dinheiro por contas CC5 para paraísos fiscais. Entretanto, parecem estar imunes à fiscalização. Este setor se tornou o primeiro poder no país, sua concentração é maior que a da terra no Brasil, sem contar é claro com a sua influência política, pois determinados grupos se comportam como verdadeiros partidos políticos.
A forma como a mídia se comportou contra o projeto do CFJ (Conselho Federal dos Jornalistas) mostra quão é necessário algum tipo de regulamentação, controle público da informação e liberdade de expressão para todas as idéias e pensamentos. Onde andam os "jornalistas independentes" que ergueram as suas penas em defesa da liberdade de imprensa? Não se deram conta do embuste da ANJ?
Por todos esses elementos é que precisamos ficar céticos em relação à criação da Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa, e suspeitar que seja apenas a legitimação da "liberdade de empresa", conforme disse Sirotsky, em ato falho, no lançamento da rede.
Em novembro de 2003, a revista Porém, de Porto Alegre, lançou um caderno especial, com sérias denúncias contra o Grupo RBS, pertencente ao presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, que levou os participantes da Marcha dos Sem, 10 mil pessoas, a protestar contra a empresa e a solicitar esclarecimentos sobre tais denúncias e sobre a permanente criminalização dos movimentos sociais pelos veículos do grupo gaúcho.
Em abril a ANJ pretende lançar em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa. Quem está querendo enganar quem?
* José Carlos Torves é presidente do Sindicato dos Jornalistas no Rio Grande do Sul.
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