O choque cultural, da rotativa à web

Por Carlos Castilho* Uma pesquisa da Universidade do Texas (veja detalhes em http://ojr.org/ojr/workplace/1090395903.php), coordenada pelo jornalista brasileiro Rosental Calmon Alves (ex-Jornal do Brasil), mostrou 

Por Carlos Castilho*
Uma pesquisa da Universidade do Texas (veja detalhes em http://ojr.org/ojr/workplace/1090395903.php), coordenada pelo jornalista brasileiro Rosental Calmon Alves (ex-Jornal do Brasil), mostrou que a maioria dos 30 jornais mais importantes dos Estados Unidos faz atualizações diárias mínimas ou simplesmente não muda nada em suas versões online na internet. A constatação apoiada num monitoramento das primeiras páginas de cada jornal na web durante duas semanas revela como é grande distância entre a teoria e a realidade até no país onde o jornalismo online é considerado o mais avançado do mundo. A atualização de uma página é um dos pré-requisitos básicos para ela ser visitada por navegadores na internet. Num site comum, a desatualização é um sintoma de desleixo ou de problemas sérios na administração da página. Se ela pertencer a uma organização jornalística, o problema é ainda mais grave. Deixa de ser um pecado venial para tornar-se capital e sinônimo de desperdício de dinheiro. A soma de conhecimentos e pesquisas sobre a prática do jornalismo através da internet já é considerável apesar desta modalidade ter apenas 10 anos de existência e ainda ser um grande laboratório [veja abaixo remissão para a matéria "Um laboratório planetário na web"]. Mas as redações convencionais mantêm uma relação de amor e ódio com seus colegas das versões online e com as centenas de jornalistas autônomos e amadores que garimpam e produzem notícias no espaço cibernético. O trabalho da Universidade do Texas mostra que seis grandes da imprensa americana ( New York Times, Washington Post, Los Angeles Times, ChicagoTirbune, USA Today e Wall Street Journal) atualizam freqüentemente a primeira página mas usam basicamente material produzido pela redação central. É uma cópia e colagem do texto produzido para a versão impressa com um mínimo de adaptação para a web. Esta estratégia editorial é uma conseqüência do desejo de maximizar o uso do material produzido nos moldes tradicionais e, ao mesmo tempo, marcar presença na web para não deixar espaços livres para a concorrência. Até aí nenhum problema, porque não há uma fórmula única para praticar o jornalismo na internet. A questão é que a modalidade adotada pelas grandes corporações jornalísticas ignora o que a internet tem de mais inovador - como, por exemplo, a atualização instantânea 24 horas do dia, 7 dias da semana, e o feedback imediato de leitores ou visitantes. A cultura predominante nas grandes empresas jornalísticas ainda é a da rotativa, e com isto a versão online passa a ser vista como uma espécie de redação de segunda classe, pouco confiável e adepta de um jornalismo menos rigoroso. Os profissionais formados na escola do jornalismo impresso afirmam que a internet é um meio pouco confiável por sua capacidade de disseminar rapidamente informações falsas, sem identificar claramente as fontes. Garantem também que o volume e a rapidez com que as notícias circulam na web favorecem a superficialidade em prejuízo da capacidade de analise a contextualização. Estas percepções não estão totalmente equivocadas, mas perdem boa parte de seu impacto quando surgem associadas a uma forte resistência às novas tecnologias e, principalmente, aos novos valores gerados pelas características específicas da produção e circulação de informações num ambiente virtual. Os maiores focos de atrito entre jornalista convencionais e online são as percepções diferentes sobre a "posse" de informações, sobre direito autoral e transparência. Para os formados na era do papel, o furo é o sonho e a consagração profissional. Já os jornalistas da era cibernética priorizam a circulação da informação e menos a sua "posse". Na internet, quanto mais uma informação passar de mão em mão, maiores as chances de ela ganhar valor agregado, ou seja, tornar-se mais completa e, por conseqüência, mais valiosa. O tema direitos autorais é altamente sensível e nem todos os jornalistas online são unânimes sobre ele. A preservação dos direitos autorais exclusivos ainda é uma posição majoritária, mas ela está sendo solapada pela popularização crescente da teoria da recombinação - que tem como base o princípio da agregação de valor mencionado no parágrafo anterior. Uma reportagem virtual é submetida a um vertiginoso processo de desmembramento e recombinação a partir do momento em que é publicada. Este processo deverá se tornar ainda mais intenso na medida que aumentar o uso de narrativas não-lineares em textos jornalísticos. A não-linearidade dá a cada leitor a chance de organizar a leitura da matéria segundo seus interesses ou necessidades. Como a narrativa não-linear na web permite o uso simultâneo de várias mídias (caráter multimídia), o roteiro final seguido pelo leitor pode ser bem distante daquele originalmente concebido. Nestas condições, a autoria original perde muito da relevância e torna-se peça de um processo de criação em novos moldes. A transparência é talvez a característica do jornalismo online que mais desconforto provoca entre os profissionais das redações offline. Nos sites noticiosos, os leitores têm a possibilidade de expressar imediata e facilmente a sua desconformidade ou adesão ao material publicado por meio do uso de mensagens eletrônicas ao seu autor. O patrulhamento dos profissionais é muito mais intenso do que nos jornais convencionais, nos quais as críticas e sugestões têm que passar pelo cansativo trabalho de escrever e colocar no correio ou no fax. Pesquisadores como o americano Vin Crosby afirmam que a sobrevivência das grandes empresas jornalísticas depende da integração entre as versões impressa e online. O autor do trabalho What Newspapers and Their Web Sites Must Do to Survive (O que os jornais e seus websites devem fazer para sobreviver, disponível em www.ojr.org/ojr/business/1078349998.php) propõe que cada versão mantenha a sua identidade e suas características, mas garante que tanto uma como a outra só sobrevivem se trabalharem coordenadamente. Isto implica não só reorganizar a estrutura interna das empresas e uma reavaliação das políticas editoriais, mas principalmente uma redução das diferenças nos valores e rotinas entre os profissionais online e offline.

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