O Tarzan de Tapes

Por J. A. Moraes de Oliveira Como acontece nos sonhos, as estórias de minha infância e adolescência nem sempre respeitam tempo e fronteiras e, …

Por J. A. Moraes de Oliveira

Como acontece nos sonhos, as estórias de minha infância e adolescência nem sempre respeitam tempo e fronteiras e, às vezes, meus personagens invadem estórias que não vivi e lugares que não conheci.


Algumas das fábulas que eu ouvia dos tios e dos peões na fazenda do Passo Grande eram repetidas nos verões seguintes, povoadas com novos personagens, às vezes vivendo as mesmas estórias já ouvidas tempos atrás. E, estranhamente, aqueles contadores de estórias não sabiam uns dos outros, mas descreviam as mesmas paisagens e davam vida aos mesmos personagens.


Enquanto isto, no quartinho dos fundos da casa da Vasco da Gama, eu construía um mundo imaginário com heróis, vilões, aventureiros e piratas que excitavam minha fantasia nos gibis semanais.


Eu havia lido e relido quase todos os livros da coleção Terramarear, inclusive os de Edgar Rice Burroughs, com as aventuras de Tarzan, o Rei das Selvas, que o pai me presenteara quando fiz 10 anos. Mas, por alguma razão, Tarzan não estava entre os meus heróis preferidos.Minha falta de entusiasmo se devia pelo fato de Tarzan não ter superpoderes como o Tocha Humana ou Namor, o Príncipe Submarino. Mesmo assim, eu e meus amigos delirávamos nas matinês do Cine Apolo, quando o bravo Johnny Weissmuller lançava seu grito de primata, chamando todos os animais da selva para salvá-lo do perigo.


Um certo dia, conheci a estória de um Tarzan verdadeiro, que me fez acreditar que existem heróis de carne e osso, mesmo sem os superpoderes que eu tanto admirava nos livros de ficção. Tudo aconteceu na cidade de Tapes, onde Eloy Terra e seus amigos haviam fundado um tal de "Clube dos Heróis". Eles se reuniam na sede instalada no quintal dos fundos do bolicho do "seu" Chiquinho Pacheco.


Lá, o Eloy era Buck, amigo do poderoso Capitão América, e o Wuildes Pacheco, o Robin, amigo do Batman, o Homem Morcego. A gurizada se divertia, promovendo brincadeiras na pracinha da cidade e, sempre que podiam, escapavam para audaciosas incursões pelas margens da Lagoa  dos Patos.


Lá, haviam sido abertos extensos canais para a irrigação das lavouras de arroz chamados "barrinhas" e que tinham uns dez metros de largura. Também existiam capões de mato, com figueiras centenárias, uma irresistível tentação para a prática de travessuras para os meninos com espírito aventureiro. Uma das grandes figueiras estendia seus longos galhos sobre uma das "barrinhas" mais largas e profundas.


Pois era ali, ao pé da figueira centenária, que os meninos do "Clube dos Heróis" de Tapes concentravam suas brincadeiras, quando fugiam para explorar os mistérios da Lagoa dos Patos.


No grupo, havia um menino - o mais velho e forte de todos - que gostava de exibir façanhas capazes de rivalizar com as dos heróis dos gibis. O Eloy Terra nunca ficou sabendo seu nome completo, mas ele era o líder e o inspirador das mais ousadas travessuras do grupo.


Era chamado de Tarzan e uma das suas traquinagens mais apreciadas era jogar uma longa corda sobre um galho mais baixo da grande figueira e, como se estivesse balançando num cipó nas selvas africanas, "voar" de um lado ao outro da "barrinha", deixando o pessoal encantado e com secreta inveja de suas habilidades.


Mas um dia, em um dos "vôos" sobre a "barrinha", o galho que prendia a corda se partiu e Tarzan despencou nas águas escuras e barrentas. Os meninos correram, aplaudindo a nova façanha de seu herói. E ficaram ali, debaixo da grande figueira, na margem da "barrinha", saudando aos gritos o espetacular mergulho de seu herói.


Mas o tempo foi passando e ele não vinha à tona.


Todos sabiam que Tarzan era um grande mergulhador e podia ficar muito tempo debaixo d"água, segurando a respiração. Mas aos poucos, os gritos e risadas dos meninos foram diminuindo.


Um grande medo tomou conta do pequeno grupo e, assustados, eles correram até a cidade em busca de socorro. Os homens chegaram e se lançaram às águas quietas, enquanto os meninos permaneciam mudos, aguardando por um milagre que não viria.


O Tarzan morrera afogado, preso no emaranhado das raízes da grande figueira. Seu corpo, sujo do lodo, foi a primeira visão da morte na infância daqueles meninos.


A tragédia comoveu Tapes inteira e as pessoas passaram a olhar os meninos do grupo com reprovação e censura, como se eles fossem culpados pela tragédia da "barrinha".


As brincadeiras, nas margens da Lagoa dos Patos, foram proibidas de vez e o "Clube dos Heróis", nos fundos do bolicho do "seu" Chiquinho Pacheco, fechado para sempre.


Os meninos, que gostavam de brincar de heróis de verdade, ainda se reuniram muitas vezes na pracinha da cidade, mas nunca mais encontrariam ânimo para novas aventuras. De um dia para outro, se haviam tornado adultos. O fantasma do Tarzan passou a habitar entre eles.


Desde então, nunca mais folhei meus gibis de Tarzan nem quis ver seus filmes nas matinês do Cinema Apolo.

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