Prisioneiros da Lua e do corpo

Por Mário Rocha Vamos dar de barato que a Humanidade realmente pisou no Grande Queijo em 20 de julho de 1969 com os pés …

Por Mário Rocha
Vamos dar de barato que a Humanidade realmente pisou no Grande Queijo em 20 de julho de 1969 com os pés dos astronautas Neil Armstrong - falecido no domingo passado, com 82 anos - e Edwin Aldrin. Eles tripularam o módulo lunar Eagle (águia). Michael Collins era o terceiro membro da Missão Apollo 11 lançada por um foguete Saturno às 13h32min de 16 de julho e permaneceu no módulo de comando Colúmbia. Aldrin e Collins estão vivos e lamentaram a morte de Armstrong.
Quem também morreu, mas na quarta-feira da semana passada e com 58 anos, foi o britânico Tony Nicklinson. Ele nunca foi astronauta nem pilotou avião. No máximo comprou passagem em 2005 para viagem até a Grécia, onde teve um AVC. A quem não o identificou, informo que a citação neste parágrafo somente será justificada mais adiante.
Por enquanto, esclareço que não estou interessado em alimentar a polêmica sobre a hipótese de uma imensa fraude terrestre tramada sob o governo Richard Nixon (ops!) para, em meio à Guerra Fria com a União Soviética, fazer frente ao impacto do primeiro voo espacial tripulado. Aquele mesmo, de 12 de abril de 1961, na nave Vostok I, de onde Yuri Gagarin afirmou, para gáudio dos torcedores de determinado clube local, que "A Terra é azul!".
Afinal, depois da Apollo 11 e até 11 de setembro de 1972 teve a 12, a 13 ("Houston, we have a problem"), a 14, a 15, a 16 e a 17. Além dos dois já citados, a atração maior para os enamorados recebeu, respectivamente, Charles Conrad Jr. e Alan Bean, Allan Shepard e Edgard Mitchell, David Scott e James Irwin, James Young e Charles Duke, Eugene Cernan e Harrison Schmitt. Pelo menos é o que está documentado por aí.
Fico imaginando a comoção popular se falhassem os propulsores da Eagle na hora de retornar para a Colúmbia. Não havia Plano B para resgate de Armstrong e Aldrin. Morreriam lá, olhando para a Terra. Depois de "Um pequeno passo para o homem, um salto gigante para a eternidade", qual seria a frase final de despedida? Seria dirigida para toda a espécie humana ou só para suas famílias?
Armstrong e Aldrin morreriam por sufocação em algumas horas na tripla prisão representada por seus trajes, pelas paredes da Eagle e pela distância média de 384.403 km do planeta natal. Isto se em suas bagagens não houvesse alguma pílula providencial para impedir o sofrimento.
Nicklinson viveu seus últimos sete anos aprisionado dentro do próprio corpo. Assim que acordou, descobriu-se vítima da rara Síndrome do Encarceramento. Só o cérebro e as pálpebras tinham movimento e com elas, ligado a um computador especial, ele se comunicava e pedia para ter um suicídio assistido. A (in)justiça inglesa negou seu apelo. Sua família parou de alimentá-lo, ele contraiu uma pneumonia fatal e conseguiu, só assim, descansar.
A morte do primeiro homem a pisar na Lua obteve destaque maior na mídia do que o fim trágico e doloroso de alguém a quem foi negado decidir a duração da própria vida. Um óbito tornou-se grandiloquente; o outro foi apenas registrado. Eu ficaria sempre a com a segunda alternativa se na alocação de tempo e espaços jornalísticos tivesse de optar entre as viagens espaciais que atestam a engenhosidade humana e a defesa do direito individual de livre escolha responsável para gerar, para parir e para morrer.

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