Questão de gosto

Por Mario de Almeida* Há algum tempo, meu amigo publicitário, Carlos Knapp, encaminhou-me, de Brasília, um excelente artigo sobre a realidade brasileira, assinado por …

Por Mario de Almeida*
Há algum tempo, meu amigo publicitário, Carlos Knapp, encaminhou-me, de Brasília, um excelente artigo sobre a realidade brasileira, assinado por um articulista que eu não conheço. Como, de passagem, ele citava uma pessoa por mim desconhecida, perguntei ao Knapp quem era. Ele também desconhecia. Ao pé do artigo tinha o e-mail do autor e mandei-lhe minha pergunta. Não respondeu e concluí que o cara, bom em idéias, era péssimo em educação. Passado meses, o acaso deu-me a resposta. Daí fiquei muito bravo, pois tive certeza que o autor achava que eu sabia quem era a pessoa e estava, pois, de gozação.
Não era uma pessoa, era uma personagem de Casseta & Planeta, que ao que me consta, tem um bom IBOPE. Só que eu nunca assisti ao programa.
A partir desse fato, comecei a reparar como cronistas e colunistas, fora das editorias de TV, começaram a se apropriar de personagens de telenovelas e participantes de programas tipo Big Brother e usá-los como se fossem do conhecimento nacional. Está havendo, por parte desses jornalistas desavisados, uma tentativa de transferência do universo pessoal para um universo que supõem ser um universo coletivo. Só que não é.
Não vai aqui nenhuma depreciação à televisão e aos telespectadores. Estou, apenas, depreciando quem escreve para veículos que não a TV ou sobre ela e marginaliza parte dos leitores de outras galáxias.
Semana passada, numa troca de e-mails com o novelista Manoel Carlos, amado amigo que poucos têm o privilégio de saber ser ele grande poeta (nossa amizade teve início há mais de 50 anos na Biblioteca de São Paulo), dizia-lhe eu que achava a televisão um meio de democratização do entretenimento, principalmente para multidões que não tiveram, como nós, acesso à música, à literatura, às artes em geral. Sem contar que desde 1950, ele e eu tivemos muito trabalho para e na TV, o que significa grana. Quando implantei e dirigi a Agência da Casa, na Globo, por exigência profissional tinha que conhecer toda a grade de programação. Os programas mais populares eu via pela manhã, em minha sala, quando eram gerados para outras praças. Aos amigos que me surpreendiam atento na telinha e tentavam me gozar, respondia:
- Está incluso no salário.
Fico imaginando quando Artur Xexéo, por exemplo, no Globo, refere-se a uma Darlene, se ele nunca parou para pensar que essa Darlene, que sei ser personagem, é tão efêmera que, consciente ou não, ele põe data numa crônica que, se boa, poderia ser atemporal, como é mais que a metade das crônicas de um Rubem Braga, para citar um mestre. Drummond, que catava notícias nos jornais e nelas se inspirava para muitas crônicas, continua atemporal. "Fala Amendoeira", antologia de crônicas do poeta maior, não me deixa mentir.
No extremo oposto dos citadores do efêmero, encontrava-se Nelson Rodrigues que, mesmo em suas deliciosas crônicas sobre futebol, incluía citações ou exemplos de grandes autores. A personagem preferida de Nelson era Raskolnikov, de "Crime e Castigo".
Confesso que, assim como Nelson, também prefiro Dostoievski.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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