Se todos fossem iguais a você

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins* Sexta-feira, 23 de janeiro de 2004, eu despertei, ainda sonolenta, para o café e, em seguida, entrar na rotina …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins*
Sexta-feira, 23 de janeiro de 2004, eu despertei, ainda sonolenta, para o café e, em seguida, entrar na rotina de mais um dia de trabalho. Ligo a Rádio Gaúcha, como sempre faço antes de arrumar-me para o serviço, e ouço, da voz do Ranzolin, no Programa Atualidade, o editorial falando da morte do Nestor Herculano De Paula, até então diretor-presidente da Azaléia. Às vésperas de um novo Criança Esperança, programa da Rede Globo sempre patrocinado pela Azaléia e passado mais de seis meses de sua morte, desenhou-se novamente a imagem da figura humana que o Nestor Herculano de Paula era.
Enquanto o Ranzolin prosseguia no texto de Zero Hora sobre o seu Nestor, como gostava de ser chamado o todo poderoso e humilde homem da Azaléia, deixei as lágrimas rolarem inconstantes. Um recall dos idos de 1986, final de novembro, quando ainda era uma foca (não sei se esse conceito ainda existe hoje no mercado, mas queria dizer repórter iniciante), na Economia de Zero Hora, me trouxe as melhores lembranças do seu Nestor.
Era final de ano e ele havia convocado setoristas da área de economia para ir até a fazenda do Grupo Azaléia onde faria um balanço da empresa. A saudosa e competente Eunice Jaques, editora da economia na época, me chama e diz: "Marcinha, encosta no seu Nestor, que precisamos melhorar a nossa relação com o pessoal dos calçados". Na época, em ZH não existia sucursal e nem as áreas que cobrem assuntos como hoje, o que justifica essa necessidade de um contato maior, hoje plenamente assegurado pela nova infra-estrutura de ZH.
Ao chegar na fazenda da Azaléia, fiquei impressionada, encantada e quase que enfeitiçada pela simplicidade, humildade, generosidade e jeito manso de falar do seu Nestor, e passei a anotar nervosamente os dados da empresa para não perder nenhum detalhe. Ele não se negava a responder nada, desmanchava-se em explicações e falava muito na responsabilidade social do empresário, o que me marcou muito, visto que era uma posição até então nova no meio empresarial.
Ao final do encontro, solicitei uma exclusiva para a outra semana. Disse que estava começando e que ZH queria muito estreitar os laços com o setor e por isso precisava conhecer melhor a empresa. No dia e na hora agendada, estava eu lá na Azaléia, aquele monstro de empresa. Seu Nestor fechou a agenda dele (não recebeu ninguém) e me mostrou toda a fábrica, explicou o procedimento, o que era um cabedal, como se fazia o calçado, wet blue e outros termos. Deu uma aula de setor coureiro-calçadista. Fez todo o passeio comigo pela fábrica e conhecia todos os funcionários pelo nome. Não errava nenhum.
No final, contou que estava aumentando a produção de calçados para tentar incrementar a fatia de exportação (até então 97% da produção da empresa ficava no mercado doméstico). Cheguei no jornal com a matéria e completamente encantada com aquele senhor. Passamos um bom tempo com uma ótima relação entre fonte e jornalista e ele jamais deixou de me dar um furo ou de me atender. Perdi a conta de quantas vezes fiz perfil da Azaléia, ping pong com ele e outras matérias. Era minha fonte preferida, mais segura e confiável.
Viajamos várias vezes para São Paulo, para a Couromoda, e na primeira vez em que ele patrocinou o Criança Esperança, da Rede Globo, me convidou também. A emoção de seu Nestor ao conhecer o Didi Trapalhão, apresentador do programa e Embaixador da Unicef no Brasil, parecia coisa de criança. Anos mais tarde, deixei a redação de Zero Hora e continuei admirando o seu Nestor e o seu trabalho, acompanhada pelo teclado dos repórteres de Zero Hora.
E é impossível esquecer a imagem que ele sempre passou de um homem preocupado com o social, com a justiça, com igualdade de condições, com o trabalhador, com o sucesso do operário, com as relações sindicais, inclusive. Atualmente, existem vários empresários que adotam essa postura mais humana e social que o seu Nestor introduziu no Estado. Mesmo assim, "se todos os empresários fossem iguais ao seu Nestor, que maravilha seria ser trabalhador".
* Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela PUCRS. Trabalhou nos jornais zero Hora e Jornal do Comércio, e atualmente atua em assessoria de comunicação.
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