TV rima com livro que rima com criança que rima com palavrão?

Por Sérgio Capparelli Alguém pode pronunciar a palavra ****** na televisão? Não, não pode. Não só no Brasil. Há poucas semanas, por exemplo, a …

Por Sérgio Capparelli

Alguém pode pronunciar a palavra ****** na televisão? Não, não pode. Não só no Brasil. Há poucas semanas, por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu que o governo pode punir canais de tevê que utilizarem ao vivo palavras e expressões grosseiras.


No Brasil nem passa pelo Suprema Corte. Não pode e pronto.


E durante um telejornal, em que as crianças estão com os pais diante da tevê? É permitido que o apresentador pronuncie a palavra ******. 


Epa, aí mesmo é que não.


Mudemos a pergunta. Durante um programa vespertino, em que crianças estão com os pais vendo um programa do Sílvio Santos ou do Faustão, é possível que uma dançarina esfregue a ***** na cara do telespectador, ocupando todo o vídeo, numa coreografia pélvica, embalada  pela percussão? Ah, isso pode. Qual o problema?


Não entendi. Quer dizer que ver, pode; nomear, não?


Aí dá um nó na cabeça do observador, difícil de ser desatado. Talvez por causa da história da escrita. Ainda hoje, quando se fala na história do livro, obrigatoriamente temos de falar no livro dos livros, ou seja, a Bíblia. Durante séculos o livro dos livros trouxe a palavra de Deus. E trazendo a palavra de Deus, sacralizou-se.


O falecido Houaiss, o do dicionário, dizia que o Brasil passou da civilização oral para a civilização audiovisual sem passar pela escrita. Talvez ele tenha razão. E os brasileiros que insistem na civilização da escrita preservam o espaço sacro da página do jornal ou do livro. Pode ****** e *********. Nãnãnãnãnão!


Uma explicação despretensiosa:


1. A civilização visual e, com ela, a televisão, aconteceu depois da carolice;
2. Em um tempo em que Deus deixou de ser encontrado todos os dias em nossas ruas.


Em resumo,  na televisão se pode ver ****** mas não se pode nomear *****, por se tratar de um termo chulo. Vamos dizer assim: o significante ***** não pode soar nas melhores famílias, mas o significado *******, ou seja, a ****** concreta pode, basta ligar a televisão.


Para complicar, abrimos o jornal e lemos que o governo de José Serra (PSDB) de São Paulo mandou recolher um livro "Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol", com 11 histórias em quadrinhos (HQs) de vários autores sobre futebol. Este livro, distribuído à rede escolar, contém palavrões e expressões de caráter sexual. A Secretaria de Educação reconheceu o erro e afirmou ontem que os  responsáveis seriam punidos. Educadores e políticos concluíram que uma criança de nove anos não pode ler palavrões em livro didático e que, se assim acontecesse, seria deseducação.


Os sindicatos também aproveitaram a deixa para criticar o Governo. O coordenador da subsede de Mogi do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Luís Carlos de Sales Pinto, afirmou que os livros estavam sendo vistos pelos alunos desde a semana passada e significavam um descaso da educação por parte do governo..


Agora, esfregue os olhos e releia bem a última parte do nome desse sindicalista: é ******. Quer dizer que um Pinto pode outro *****, não. Pelo que vejo, esse assunto é muito mais complicado do que parece. Desisto! Até porque **** fez uma defesa apaixonada dos professores e professoras, obrigados a explicar esse deslize aos seus alunos em sala de aula. "Isso não pode voltar a acontecer", disse *****, colérico.


 


* Sérgio Capparelli é jornalista e escritor, colaborador de Coletiva.net.

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