O PT profissional

      A aproximação de Luís Inácio Lula da Silva com o PL pode chocar petistas ortodoxos mas simboliza uma mudança de postura que não se …

      A aproximação de Luís Inácio Lula da Silva com o PL pode chocar petistas ortodoxos mas simboliza uma mudança de postura que não se limita às eleições presidenciais. A eventual aliança teria a mesma gênese, embora as conotações ideológicas sejam bem distintas, da vitória de Tarso Genro nas prévias gaúchas. O PT se profissionaliza, para o bem e para o mal. Militantes de esquerda não podem, de fato, aceitar com excessiva naturalidade a brusca alteração de comportamento de seu líder. Até há pouco tempo, Lula jamais cogitaria abrir mão do purismo da sigla para ficar próximo de algo muito parecido com o fisiologismo tão condenado em outros partidos.
      Três derrotas depois, o ex-operário começa a raciocinar como o patrão: importante é o resultado. Mesmo as alas radicais do partido talvez se vejam compelidas a revogar desconfianças ancestrais em prol de um projeto próprio para o país. Negociar com antigos adversários e se aproximar um pouco do centro não é um pecado tão grave, desde que haja um mínimo de critério na escolha dessas alianças. Entende-se o raciocínio e a angústia de Lula, mas ainda assim o PL parece um pouco demais.
      A mídia às vezes se revela confusa na abordagem desta nova cara do PT, provavelmente por ter de tratá-lo não mais como vaca sagrada, mas como aquilo que ele de fato é, um partido político disposto a ganhar as eleições. Estabelecidos os limites, o pragmatismo é saudável. Não foi só por isso, claro, a questão é bem mais complexa, mas o senso prático certamente alavancou a vitória de Tarso. Se os filiados entendessem que o governador Olívio Dutra teria fôlego para a reeleição, o teriam escolhido. Os constantes embates com uma oposição especialmente ferrenha e a recusa em empreender conversações que facilitariam o dia-a-dia do governo sem ferir os postulados petistas sinalizaram aos participantes da prévia que era melhor eleger um negociador. Postura pragmática, neste caso, no bom sentido.
      Em 1997, um ano antes da última eleição presidencial, alguns nomes surgiam como alternativa a Lula, entre os quais o de Tarso. Naquele momento, ele já integrava um grupo informal de notáveis do partido que postulavam maior objetividade no discurso de campanha. Além de apontar os graves problemas sociais do país, é preciso dizer claramente o que será feito, como será feito e de onde virá o dinheiro. Simples, mas decisivo. "Não adianta ir à periferia e falar bonito sobre questões teóricas, porque de repente alguém vai interromper e perguntar sobre a água encanada ou o bico de luz de sua rua", comentou Tarso na ocasião numa roda de amigos. Por pensar assim, mesmo se indicado não teria aceito na época uma briga pela presidência.
      O PT avançou bastante neste ponto, e é natural que cometa alguns deslizes. Faz parte do amadurecimento. Ao escolher Tarso para concorrer ao Piratini, além de ganhar um candidato com baixo índice de rejeição, facilmente aceito por quem não tem ficha no partido, o PT gaúcho possivelmente está preparando um futuro presidente da República. Tarso possui boa formação, é bem aceito pela cúpula do partido, tem o reconhecimento dos militantes e o respeito dos adversários. Se conseguir a eleição para o governo, terá também a exposição necessária na mídia nacional, sem o que qualquer projeto maior se inviabiliza. Tudo muito profissional, no bom sentido.
Dedicado a Rosane de Oliveira
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Autor
 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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