127 Poetas
"Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim."
(Fernando Pessoa)
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Eram tantos os heterônimos, que ele mesmo não conseguia enumerá-los.
Dos alter egos criados por Fernando António Nogueira Pessoa os mais conhecidos são Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis. Mas sem esquecer seu semi-heterônimo e alter ego confessional, Bernardo Soares. Estudos recentes de acadêmicos portugueses revelam a existência de nada menos do que 127 heterônimos, pseudônimos, personagens fictícios ou mediúnicos criados pelo grande poeta.
Estas personalidades são dotadas de estilos literários próprios e contam com biografias, incluindo as datas de nascimento e morte. São marca registrada de Fernando Pessoa e revelam a face mais instigante de seu legado. Desde seu desaparecimento, há cerca de 80 anos, pipocam teorias e perguntas sem respostas: teria o poeta compartilhado seu verdadeiro eu nos seus heterônimos? Ou os alter egos seriam válvulas de escape daquilo que não cabia em sua poética mais seminal? Neste caso, seria o grande Pessoa um imodesto criador que não se contentava em ser apenas um, mas muitos poetas?
Questionamentos que tendem a se esgotar em si mesmos, sem respostas conclusivas dos biógrafos e estudiosos. No entanto, seria lícito concluir que, através deste jogo de sombras, Fernando Pessoa nos conduz a reflexões sobre identidade e existência humana, que permanecem tão pertinentes em nossa fragmentada sociedade contemporânea como devia ter sido em sua época. O poeta morreu cedo, aos 47 anos de idade, no dia 30 de novembro de 1935, após ser internado com diagnóstico de cólica hepática. Mais tarde, surgiu a hipótese de pancreatite aguda, devido ao seu pouco conhecido hábito de consumo excessivo de álcool. Aos amigos, que o tentavam consolar, glosa seus males, fazendo poesia de si mesmo:
"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente."
E, no mesmo dia de sua morte, escreve este desesperançoso verso:
"Não sei o que o amanhã me trará."
Uma frase que favorece sua aura de complexo e enigmático, que ocultado atrás de uma poética de grande força e lirismo, sem perder da simplicidade. O crítico brasileiro Frederico Barbosa o definiu como "O enigma em pessoa", lembrando que seu conhecido poema, Tabacaria, pode ser lido como epitáfio prematuro, escrito sete anos antes de sua morte:
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém
sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada."
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Os estudiosos da obra dos heterônimos de Fernando Pessoa sugerem que são máscaras que escondem diversos graus de perplexidade e de angústia do poeta diante dos paradoxos da condição humana. Aqueles que investem na complexa tarefa de esquadrinhar este vasto universo de identidades, máscaras e enigmas encontram caminhos sinuosos, repletos de armadilhas, desvios e bifurcações. O que podemos constatar no clássico Tabacaria:
"Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara."
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