Como era verde o meu sexo

A seção mexicana do Greenpeace lançou uma cartilha de orientação sexual ecológica. Coisas como camas com madeira certificada ou aparelhos sado-masoquistas politicamente corretos, apagar …

A seção mexicana do Greenpeace lançou uma cartilha de orientação sexual ecológica. Coisas como camas com madeira certificada ou aparelhos sado-masoquistas politicamente corretos, apagar a luz na hora da transa para economizar energia, trocar a ostra ou o marisco por guaraná ou cereja como afrodisíaco e preferir o velho cuspe em vez de vaselina, um derivado do petróleo. Tudo muito bem, mas em vez de apagar a luz por que não sexo durante o dia? Ou, no verão, encher o quarto de vaga-lumes? Ou grandes surubas que apenas uma lâmpada iluminaria? Com essa falta de imaginação não vamos salvar a Terra. Digo mais: com essa falta de imaginação é melhor que a Terra vá mesmo pro diabo.


Subserviências ignóbeis


Luís Paulo Faccioli escreveu no "Palavra", do Le Monde Diplomatique, sobre a tradução que Daniel Pellizari fez de Justine, do Lawrence Durrel, para a Ediouro. Ele reclama do "total desprezo pela mesóclise" e registra "quase duas dezenas de ênclises impossíveis como": "eu teria-lhe ajudado", "sentiria-se", "encarregaria-se de concluí-la", "pediria-lhe em casamento", "cristalizaria-se".


É verdade, tudo isso é mais feio que filho de assombração, como talvez dissesse um paisano na fronteira. Mas, cá pra nós, escrever "eu ter-lhe-ia ajudado", "sentir-se-ia", "encarregar-se-ia de concluí-la", far-me-ia sentir com a mão guiada pelo fantasma do Jânio Quadros. Far-me-ia? Caraca, as subserviências ignóbeis a que a gramática tenta nos submeter! Tudo isso porque somos tímidos, incapazes de escrever "eu teria ajudado você, ou ele", "ele se sentiria bem ou mal", "ele se encarregaria de concluir a tarefa", ou fosse o que fosse. Tudo bem, a gramática existe, mas não para ser obedecida surdamente.


Como dizia Stevenson, sem falarmos em várias dezenas de outros grandes escritores, quem manda é o ouvido. O problema, digo eu, escriba pequeno mas metido, é a cera no ouvido da maioria. O Ministério da Cultura devia se aliar ao da Saúde e fazer uma dessas campanhas milionárias pedindo que a população usasse água e sabão e um cotonetezinho de vez em quando. Capaz de alguns imortais da Academia de Letras caírem duros, abrindo novas vagas, ao ouvir em voz alta coisas que eles mesmos escreveram.


Luís Paulo reclama da ausência de mesóclises na tradução de Justine, mas, pelo que me lembro, não as comete nos próprios textos, que ele não é bobo.


Xixi do gato literário


Outra coisa é essa mania brasileira de não querer repetir palavras, mania também adquirida na escola. Grandes escritores como Cervantes, Rabelais, Stendhal, Stevenson, Borges, Cortázar - pra citar apenas alguns dos meus preferidos - repetem palavras a três por quatro. É evidente que certas repetições não incomodam. Mas contorcionismos para evitar repetições, ou sinonímias luxuosas e esdrúxulas, sim. Mal comparando, são como esses nebulizadores perfumados pra disfarçar o xixi do gato.


Analista de Bagé


N"O Quarteto de Alexandria, do Lawrence Durrel, Justine dá pra todo mundo, mas não é sexo, não: é uma atormentada busca interior. O que será que o Analista de Bagé diria sobre isso?


Trovão tropical


Há uma campanha contra o filme de Ben Stiller, porque faz piadas com retardados mentais. Estranho. Os outros filmes de Ben Stiller, ou de vários assemelhados, que tratam todos os espectadores como retardados mentais, não sofreram boicote nenhum. As telenovelas idem, as revistas de celebridades ibidem, há anos e anos. E nem falemos dos políticos que ora nos assediam com uma cenoura murcha diante dos olhos.


O melhor candidato


Falando em eleição, o escritor mineiro Sérgio Fantini - guardem esse nome, que o cara é perigoso - me contou que fizeram um concurso para pior campanha de vereador. O troféu foi para um cearense, ou vizinho do Ceará, conhecido como Defunto, com o slogan: "Vote em Defunto, porque político bom é político morto". Comentário do Fantini: "Agora, não sei se era a pior ou a melhor campanha do Brasil".


Conto folclórico


Perdemos a guerra dos farrapos porque em vez de guerrear, matéavamos, mateávamos, e vá causos de outras guerras.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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