O seio criminoso da Janet Jackson

A gente acha com razão que a Justiça brasileira é uma zorra. A gente também costuma encher a boca: nos EUA sim, o bicho …

A gente acha com razão que a Justiça brasileira é uma zorra. A gente também costuma encher a boca: nos EUA sim, o bicho pega. Pode ser que o bicho pegue, mas duas e três me deparo com notícias que não entendo. Por exemplo, o governo americano pediu à Suprema Corte que imponha uma multa de meio milhão de dólares ao canal CBS pela transmissão que mostra de relance um seio da cantora Janet Jackson em um dos eventos esportivos mais vistos do país. Não sei que lei o sutiã da Janet infringiu, mas não me parece que seja mais grave do que um governador faturar quinze milhões de dólares numa negociata, ser eleito presidente com uma fraude e mentir pra invadir um país com a missão de, entre outras coisas, destruir tudo pra favorecer os negócios de alguns amigos e depois reconstruir pra favorecer os negócios de alguns outros amigos. Ou o relance do seio da Janet ameaça o modo de vida americano e a conduta de Bush o reforça?


Roupas cosméticas


Primeiro, foram os cremes milagrosos, depois os aparelhos que fazem a ginástica por nós e as dietas em que se pode comer de tudo. Agora, roupas cosméticas, como calças pra evitar celulite. Isso me lembra a frase de um personagem do Oscar Wilde que queria saber o segredo da juventude eterna, desde que não precisasse fazer exercícios.


Deusnosacuda


Qualquer um, com dois dedos de testa, sabe que não há mágica contra a velhice. Agora, trocar o nome dela pra melhor idade é chamar o tigre de gatinho, antes de ser devorado. Ou é deboche puro e simples?


Arte difícil


Segundo o Ivan Lessa, uma das artes mais difíceis é não torcer por ninguém. Eu sou chegado a artes difíceis. Mas nessa quebro a cara em poucos minutos.
 Não tenho interesse algum por tênis, mas, se assisto um ou dois sets, me vejo torcendo, não a favor de um dos jogadores, apenas contra um deles. Há uma leve diferença aí. O Federer nunca me escapa. Até confiro no jornal pra ver se perdeu.


Por quê? Não tenho a menor idéia. Talvez seja aquilo que o Evelyn Waugh dizia: a gente acaba se enchendo de quem está sempre nas primeiras páginas, seja o papa ou a atriz gostosa.


Mais filosofia de soleira


Li na revista do Mino Carta que mais de uma centena de pesquisadores de vários países participou do XX Congresso da Sociedade Internacional para os Estudos de Humor (ISHS), em Madri, Espanha. Os trabalhos destacaram uma série de benefícios que o riso traz para a saúde e que o humor traz na melhora dos hábitos de aprendizagem. Isso tudo é muito manjado. Os soleiristas vêm dizendo há décadas que o mundo seria bem melhor se as carrancas se limitassem às proas dos barcos.


Agora, eu gostaria de ver trabalhos sobre os benefícios do humor no sexo, assunto amplamente discutido na soleira. Na literatura e no cinema, em geral, o sexo é motivo pro lirismo mais tatibitate, ou pras grosserias mais baixas, ou para exaltação de paixões graves e solenes. Acho que é possível escrever e filmar de modo bonito e delicado sem perder a naturalidade ou transformar uma boa transa num teatrinho de bibelôs de porcelana. Até as comédias românticas, na hora do bem-bom, ficam sérias. Há paixões graves e solenes? Há, sim, mas não me lembro delas em estado puro. Sempre há graça e alguma sacanagem no meio. Melhor deixar a gravidade e a solenidade em estado bruto para as missas em latim.


Outro trabalho que eu gostaria de ver era sobre os malefícios do humor na literatura. Isso mesmo, os malefícios. Agora todo escritor é piadista. Não há quem não se ache no dever de fazer graça. Isso é muito cansativo.O humor, como qualquer outro gênero, exige engenho e arte. Não é pra qualquer pé de chinelo, não.


Esclarecimento


Quem ri por último é quem levou mais tempo pra entender a piada.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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