Sexo com robôs

Claro, já tem campanha contra e, claro, que fala em ética. Transar com um robô ou uma roboa ? ou será roboazuda? ? seria …

Claro, já tem campanha contra e, claro, que fala em ética. Transar com um robô ou uma roboa - ou será roboazuda? - seria uma abominação, tornaria homens e mulheres mais coisificados, na medida em que dá a eles um relacionamento onde têm o poder total. Confesso que acho graça. Ninguém fala em ética se o fulano ou fulana tem um relacionamento com a própria mão, onde tem poder total. Ou um relacionamento ardente com uma vagina de silicone ou um vibrador dos mais variados tamanhos e formatos - e bivolt ainda por cima. Como disse Gore Vidal, se a normalidade é medida em números, a masturbação é a forma normal de sexo por excelência. Importa tanto a forma como essa masturbação é feita? Talvez. Parece mais fácil levar a sério uma boneca que a mão, mas, convenhamos, aí estaríamos em território psicanalítico dos mais cabeludos.
Li que mais de um fulano se casou com sua roboa. Parece patético, não? Ou muito triste, o que é uma redundância, temo. Mas vamos julgar isso moralmente? Está na cara que a realidade é demais pra essa pessoa, que ela precisa de um modelo de mundo mais acessível, mais simples. De uma certa forma, todos nós fazemos isso: nos adaptamos até onde podemos ao mundo e daí pra frente adaptamos o mundo às nossas carências. Sem falar que parece menos estranho se casar com uma roboa do que com uma cadela, por mais amestrada que seja. E dá menos trabalho.
A realidade também é demais pra uma freira, por exemplo, que prefere se refugiar num convento e ter Jesus como esposo. Um com uma boneca, outra com um esposo imaginário - por que aceitamos como normal a atitude da freira? Na verdade, a situação da freira é mais complicada, me parece. O gasto de imaginação de uma relação com uma boneca é menor que o gasto numa com um ser incorpóreo e que é esposo de milhares de outras carentes.
Sei, vão me dizer que o casamento entre freiras e Jesus não tem nada a ver com sexo. Por que então escolheram a expressão "esposa de Cristo"? Alusão à fidelidade incondicional? Mas dentro dessa fidelidade está a recusa ao sexo. Me diz aí, sabichão: por que uma esposa de Cristo não pode ser uma pessoa comum, participante das vicissitudes da vida?
É claro que a relação freira-Jesus não tem a ver com sexo de modo direto, tipo as piores fantasias pornôs ou o papai-mamãe burocrático de tanta gente. A relação está no lado pior, me parece: pelo que disse antes, a repressão ao desejo. Ao mesmo tempo me lembro dos êxtases de sor Juana Inés de la Cruz. Se essa comunhão com Deus não parece um belo de um orgasmo, minha avó andava de patinete e com o arranjo tutti frutti da Carmem Miranda coroando seus cabelos brancos.
Notem a influência cultural. Um homem que apela pra uma vagina de silicone, ou uma roboa, passa um atestado de fracasso. Uma mulher que apela pra um vibrador, ou um robô, está em processo de libertação, de descoberta da sexualidade. Ela vence suas inibições, suas culpas, ela é forte.
Pra mim, tudo bem. As pessoas fazem loucuras em matéria de sexo desde sempre, antes mesmo de terem descido das árvores. Não devíamos estar espantados, nessas alturas da orgia, e devíamos saber que todas as tentativas de regulamentação deram em nada. A Santa Inquisição queimou mais de um por transar com ovelhas, cabras, éguas, galinhas - serviu de exemplo? Pergunte pros nativistas gaúchos, que consideram a barranqueada uma instituição cultural.
Sei não, o mundo indo direitinho pra cucuia - a economia na mão dos conglomerados; a política, na dos gangsteres; a violência, a fome, as doenças, a falta de educação comendo frouxo; os ares e as águas apodrecendo - e o pessoal preocupado com quem o fulano vai pra cama. Quando Deus disse "Crescei e multiplicai-vos", talvez estivesse dizendo "Ficai adultos e multiplicai-vos". Me parece que ninguém ouviu a primeira parte.
Tamanho não é documento
Será? A gente mata uma mosca ou uma formiga sem o menor remorso. Nem pensa, na verdade. Mas se for um elefante ou uma baleia? Só de ver a imponência desses bichos, sentimos um respeito, digamos, religioso - tiramos nosso chapéu metafórico pro mistério da natureza. É como ver uma sequoia - sabemos que apenas um cretino chapado ou um criminoso a cortaria apenas pra vê-la cair.
Com moscas e formigas não há respeito, ou mesmo paciência. Mas duvido que a natureza tenha investido mais num elefante ou numa baleia que numa mosca ou numa formiga. Talvez seja o contrário. Talvez na mosca e na formiga a natureza tenha sido mais hábil.
Veja, se morre uma mosca, tem três mil pra substituir - seus genes estão garantidos. Uma mosca pode morrer de tapa ou distrair o apetite de um passarinho, mas será que morre de fome? Há abundância pra moscas e formigas, um cocô dá uma festa pra várias, uma planta vale lavouras. O mundo é quase todo um paraíso pras moscas e formigas.
A gente não hesita em esmagar uma mosca ou uma formiga, ou envenenar dezenas e dezenas delas. Mas quem está ameaçado de extinção são os elefantes e as baleias.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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