O tal frio de renguear cusco

E finalmente chegou o tal frio de renguear cusco que muita gente neste rincão andava pedindo. Porque não agüentavam mais aquele calor escaldante de …

E finalmente chegou o tal frio de renguear cusco que muita gente neste rincão andava pedindo. Porque não agüentavam mais aquele calor escaldante de 30 e poucos graus. Porque não gostavam mais daquelas noites maravilhosas que convidavam ao convívio com os amigos. Porque já estavam abusados de bebericar cerveja e chopes gelados nos happys dos finais de tarde. Porque é muito desagradável sair de casa de manhã para trabalhar com pouca roupa e ter a certeza de que, ao final do dia, não será preciso se entulhar de agasalhos e demais acessórios. Para quem já estava literalmente cansado de tudo isto, está aí o frio do antecipado inverno gaúcho.
Ao sair de manhã de sua casa para qualquer que seja o compromisso, você deve literalmente se entupir de todos os pulôveres de lã, que modo que eles tapem aquela camisetinha básica também conhecida por segunda pele, meias de lã por baixo de uma calça de um tecido mais encorpado, botas de cano alto, casacos, echarpes, mantas, pashminas e uma luva para arrematar. Se, por um destes acasos da vida, encontrar um conhecido pelo caminho e ele não lhe cumprimentar, nada de estranhar ou de pensar que ele virou antipático depois de velho. Aposte na teoria de que ele não lhe reconheceu escondido atrás de tanta roupa.
Deve ser este o tal charme do inverno gaúcho que muitos por aí defendem. A pouca vontade de sair de casa porque é preciso despertar umas duas horas antes para se fartar e se entulhar de agasalhos. Ou então, a falta total de disposição para encontrar amigos e amigas, depois de um dia gelado de trabalho, para aquele papo e bebericar algo nos bares da vida. Talvez seja o encolhimento no sofá da sala, colocando em dia todos os programas e séries de televisão, protegida por aquele cobertor todo desbeiçado que você nem sabia que ainda existia, com umas quatro blusas quentes por baixo do pijama e para arrematar aquela indefectível pantufa com carinha de bichinho.
Tenho uma leve tendência a pensar que os amantes do frio devem gostar um pouco de uma sofrência. Porque tudo é mais cruel enfrentando um frio de sete ou oito graus. Porque tudo é menos resistente quando se precisa praticamente despir-se de um quilo de roupas para se entrar no chuveiro. Porque tudo é menos convidativo aos encontros, às conversas, aos goles de vinho nas ruas quando a noite promete menos de quatro graus. Porque todas as ites (sinusites, faringites, rinites e etc) que derrubam o cidadão aparecem assim que os sinais ainda tímidos de frio batem na nossa porta. Fala sério, quem gosta de sofrer assim?
Para quem nesta altura do inverno antecipado aqui do Sul ainda não sabe, quando se fala que está um frio de renguear cusco significa um frio tão intenso que até os cachorros na rua tremem nas patas e mancam. Ou é uma temperatura tão baixa que deixa até os cachorrinhos encolhidos. Falando em cusco, que vem do espanhol e quer dizer cachorro (Márcia também é cultura), o meu neto canino, o shihtzu Dalai, odeia o inverno. Com toda a força da suas latidas. Porque o coitadinho não gosta de usar agasalhos e passa a estação toda tremendo de frio e reclamando nos meus ouvidos.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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