Ainda podemos dizer alguma coisa

No domingo, exatamente às 17h52, publiquei na minha página no Facebook que via tempos difíceis pela frente (e nem sabia ainda do resultado da …

No domingo, exatamente às 17h52, publiquei na minha página no Facebook que via tempos difíceis pela frente (e nem sabia ainda do resultado da eleição em Porto Alegre). Junto com a divulgação do poema "No caminho, com Maiakóvski", de Eduardo Alves da Costa, parabenizei o colega Flávio Ilha pela bravura e coragem no ato de cerceamento do trabalho da imprensa, que teve seu ofício desrespeitado ao tentar cobrir o voto da ex-presidente Dilma Rousseff, naquele dia, mais cedo, no Colégio Estadual Santos Dumont, na Zona Sul da Capital.
Reproduzo aqui o poema por julgar que ainda podemos sim dizer alguma coisa e barrar estes seguidos desrespeitos com a imprensa que temos vivenciado, principalmente no Rio Grande do Sul com os excessos seguidos assinados pela Brigada Militar, sob o comando do governador José Ivo Sartori.
"Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada."
Embora estivessem cumprindo uma ordem absurda e insensata de um juiz eleitoral, dois policiais da Brigada Militar barraram a entrada dos jornalistas no colégio e na seção eleitoral (de outras pessoas também) e impediram o trabalho da imprensa que apenas queria, e precisava registrar o voto da ex-presidente. Eles cumpriam uma pauta e tinha inclusive correspondentes de portais, como é o caso do Flávio Ilha, em trabalho encomendado pelo UOL. Ali, para registrar o voto da ex-presidente Dilma, estavam jornalistas da RBS TV, Rádio Gaúcha, Jornal do Comércio, Valor Econômico, O Globo, Estadão e Folha de São Paulo.
E simplesmente era necessário registrar o voto porque, goste o juiz ou não, a Dilma não é uma cidadã comum. Ela foi a primeira presidenta mulher do País, durante mais de cinco anos e sofreu um recente processo duvidoso de impeachment. Mas, vamos imaginar que na cabeça do tal juiz eleitoral, ela seja uma cidadã comum. Mesmo assim, qualquer cidadão comum, a menos que manifeste contrariedade, tem o direito de ser fotografado votando.
Mas aqui no nosso Estado, as coisas parecem andar esquisitas e a imprensa tem sido perseguida, censurada ou barrada no seu ofício de informar. É que, conforme a Brigada Militar, informar é crime. Foi esta a interpretação dos brigadianos, respaldada pelo ex-secretário de segurança de Sartori, Wantuir Jacini e pelo Ministério Público, no episódio da prisão arbitrária e posterior indiciamento do repórter do jornal Já, Matheus Chaparini, no caso da desocupação da Secretaria da Fazenda, no dia 15 de junho. Para quem não acompanhou, existe um vídeo onde Chaparini identifica-se diversas vezes como jornalista ali no local cobrindo a desocupação.
Ao contrário do poema de Eduardo Alves da Costa, ainda é possível sim dizer alguma coisa, denunciar e berrar contra estas arbitrariedades e atos recorrentes cometidos contra a imprensa. Tanto o fato de impedirem jornalistas de cobrirem o voto da ex-presidenta Dilma como a prisão de Chaparini são atitudes lamentáveis e preocupantes que nos remetem aos tempos pesados da ditadura militar.
Não podemos, em pleno 2016, permitir que os profissionais da imprensa tenham suas funções cerceadas, seja pela ignorância de um juiz ou pela truculência de uma Brigada Militar, que tem aval do Executivo Estadual. Não podemos deixar que os mais frágeis roubem nossa luz e arranquem a nossa voz.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

Comentários