Aliteração da alteração

No início era o éden sem desdém. Por bilhões de eras, era o turbilhão pavoroso; vaporoso e aquoso. Por bilênios ígneos, por desígnio algum, …


















No início era o éden sem desdém.

Por bilhões de eras, era o turbilhão pavoroso; vaporoso e aquoso. Por bilênios ígneos, por desígnio algum, o magno magma jorrou em jatos. Sem estigmas nem enigmas. A lava era púrpura e o céu, plúmbeo. Ácidos regavam crostas agrestes. Rios ferruginosos, rugindo em magenta. Nos mares, marés corrosivas. Fluxos e refluxos sáxeos, fênix com ovos de ônix. Nos ares, troares e ribombares: trovões destravando trevas. Turvas terras, avulsas e convulsas. Na tonitroante genealogia da geologia, a tônica incomodação tectônica - estertores milenares, tremores seculares.


No reinício primevo, o sossego dos sismos.


Reverberante e verdejante, a pacífica pastoral das superfícies. Tempos propícios, vicejam minúcias, jardins de delícias, pelúcia das planícies aos precipícios. Tudo germina e nada termina: capins, aipins, cupins e micuins; cipós, ipês, igarapés, iguanas, guaranás, ananás; aroeiras, araucárias, araras, aranhas, ariranhas; baobás, babuinos, bambus, badejos, brejos, bem-te-vis, besouros, bisões, butiás, buritis, oitis, sagüis, anis; emas, dracenas, açucenas, verbenas; bromélias; camélias, adálias, tílias; salmões, salamandras, samambaias, sapucaias; relvas, selvas, sálvias, malvas; riachos, mochos, carunchos; grutas, gretas, grous, grilos, guacos, guanacos. Flora e fauna fácil e farta, firme e forte, freqüente e feliz.


No desinício, um ávido avoado.


O marmanjo, num átimo, desarranja o átomo. Despeja dejetos dos seus desejos abjetos. Infla o peito pelo efeito estufa. Põe súlfur no futuro. Derrama mercúrio, derrete os pólos, derruba o paraíso, derrota o planeta. Quando não intoxica, oxida. Exulta e relaxa no lixo, na inexorável luxúria da lixívia. O caos é seu chão e em seus êxitos o seu exílio. Se exuma mas não examina seu nexo. Nunca se exime.
Ex-símio exímio. Extinto.

Anti-Leis da Risofísica.

Alguém inventou, o Millôr Fernandes consubstanciou, eu incursionei várias vezes por elas. Agora, entre novas e antigas, selecionei algumas daquelas leis que voejam ao nosso redor, feito varejeiras do pensamento ocioso. As Anti-Leis da Risofísica são lampejos de percepção nas clareiras das probabilidades. Trombando com o acaso, tropeçando na lógica, esbarrando nos condicionamentos, sugerem intriga e graça. Que vêm mais da experiência que nos atravessa de súbito que da observação calculadamente formulada.


A fertilidade de um casal para ter filhos é inversamente proporcional à sua falta de recursos para criá-los.


O Correio atrasa a nossa correspondência na razão direta da urgência do seu conteúdo.


Erros - médicos, jurídicos, de engenharia - tendem a ser mais graves tanto quanto as falhas do ensino superior.


Se oferecem de graça um lindo filhote de raça, pode ter certeza: logo em seguida você vai gastar com veterinário mais do que pagaria por ele na pet shop.


Onde houver hierarquia social ou funcional, as gafes serão cometidas, invariavelmente, de baixo para cima.


Se você tem uma novíssima e engraçadíssima piada, não a reserve
para uma roda em que esteja o cartunista Santiago: ele certamente
a contará primeiro, e muitíssimo melhor!


Uma já clássica, do chargista, cartunista, quadrinista, ilustrador e pai do Rango, Edgar Vasques:
A direção da fumaça do cigarro é sempre determinada pela posição do não-fumante na mesa.


(Pense nas suas próprias descobertas do gênero. Se você tiver o prazer de revelações, envie. Aquelas que se imporem pelo espírito da coisa, digamos assim, as publicarei aqui.)

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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