Ando devagar porque já tive pressa

Por Márcia Martins

A música "Tocando em frente", de Renato Teixeira e Almir Sater, com a frase que escolhi para intitular a coluna, reflete perfeitamente o cenário atual da minha existência. Viver sem afobação. Não criar muitas expectativas sobre nenhuma situação. Planejar apenas o dia de hoje. Não lamentar o que não fiz no passado. Pensar somente no instante. Sem a urgência de outros tempos. Sem a ânsia de alcançar objetivos rapidamente. Sem a curiosidade da criança. Sem o impulso da adolescência. Sem a preocupação dos adultos neuróticos. Cheguei num estágio em que posso sim proclamar: "ando devagar porque já tive pressa".

Depois que se ultrapassa a marca dos 60 anos, que as rugas no rosto começam a ser mais visíveis (apesar dos cremes milagrosos que prometem tudo), que se elege a pantufa como melhor acessório para se usar nos pés dentro de casa e que é preciso se equilibrar num orçamento apertado da aposentadoria, levamos a "certeza de que muito pouco se sabe, ou nada se sabe". E que não estamos velhos, mas é a ocasião exata de cumprir a vida, "simplesmente compreendendo a marcha" que ela nos apresenta.

Viver sem acelerar as histórias diárias é o que se espera e deseja ao alcançar o que chamam de velhice. Apesar de já poder ser classificada como uma pessoa velha, não me considero, ainda, ultrapassada, com ranço (só às vezes), teimosa (um pouco), impaciente (nada), implicante (sempre fui) ou emotiva (é minha característica desde sempre). E sei que é preciso amor, de qualquer espécie e intensidade, para poder pulsar, e um pouco de paz para poder sorrir. Por isso, fermento todos meus relacionamentos com pitadas generosas de amor e tento espalhar gargalhadas por onde passo.

De vez em quando, sem perceber, tenho umas reações que denotam a idade avançada. Quando deixo escapar a expressão: "ah, mas no meu tempo não era assim". Ou quando vejo os filhos de amigos e amigas já casados e com filhos. E se oriento alguém a tomar um chá de limão com mel e gengibre e ficar de repouso em casa para curar uma gripe. E a pior (na minha modesta opinião) é proclamar que as músicas de antigamente eram melhores. Esse é o atestado irretocável da velhice.

Mas, apesar de ostentar algumas rugas, estar com o corpo mais curvado, sentir dores em ossos que eu não imaginava que existiam e tomar um arsenal de remédios, devagar - para não atropelar o processo - procuro deixar a alma mais livre, mais solta, mais liberta do resto de mim para voar, arriscar, ousar, viver e ser jovem, provocadora, instigadora e resistente ao peso dos anos. Apesar de evitar fazer planos, ainda quero contemplar todo novo amanhecer e me deslumbrar com a nostalgia do dia indo embora.  E assim viver feliz enquanto ainda puder exercitar o verbo esperançar.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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