B de biografia ou de bunda

É isso aí, nada de expor a intimidade, tantas vezes penosa, de celebridades. Queremos apenas os melhores ângulos: a bunda e a xoxota em …

É isso aí, nada de expor a intimidade, tantas vezes penosa, de celebridades. Queremos apenas os melhores ângulos: a bunda e a xoxota em meio à paisagem paradisíaca da Ilha de Caras.

Mirem-se no exemplo

White hunter, black heart, de Peter Viertel, é um romance inspirado em John Huston, ou melhor, no que o grande Huston andou aprontando durante as filmagens de Uma aventura na África. Como Huston saía muito mal na foto, Viertel resolveu mostrar o original a Huston, pra ver se ele não ia se sentir ofendido e processá-lo. Huston não só não deu a mínima como sugeriu várias coisas pra que seu retrato ficasse ainda pior.
Orgulho de ser gaúcho
Deu no jornal: "O lançamento do Observatório da Violência contra a Mulher, da Secretaria da Segurança Pública, foi marcado pela divulgação do monitoramento dos casos entre janeiro de 2011 e agosto de 2013. Nesse período foram registrados 116.092 casos de ameaças; 69.947 de lesões corporais; 3.086 de estupro; e 206 assassinatos denominados femicídios. Em 2013 foi iniciada a contabilização das tentativas de femicídios, somando 149 ocorrências de janeiro a agosto".
Marcelo Backes
Abertura do romance O último minuto:
"Tu já matô os gatinho?
"Ouve?se e o ouvido dói. Mal se conhece o estranho que conta, que fala, que narra numa arenga sem fim, jurando que foi assim que tudo começou".
O estranho fala, conta, narra? Por que tanta ênfase, tanto realce, tanto excesso? Por acaso o leitor é surdo, mouco, deficiente auditivo ou mental?
Meu coração de pedra-pomes
Juliana Frank: "Nem todos gostam do que escrevo. Entendo não quererem dessacralizar a literatura, mas tem de ter espaço para a literatura menor. É um tipo de literatura que não muda nada. Não sei por que incomoda tanto".
A Juliana nunca deve ter entrado numa livraria. A literatura menor é a que mais tem espaço. Sempre foi assim. Até ontem à noite não havia sinais de mudança.
Agora, se o que ela escreve é um tipo de literatura que não muda nada, há uma contradição: se não muda porra nenhuma, se é tipo a mais inócua matéria de jornal, não é literatura. E incomoda na medida em que qualquer lixo incomoda. É simples assim.
Por tantos anos, a Companhia das Letras foi a editora mais zelosa de seu alto padrão de qualidade. Seus editores vetaram até livro do próprio dono. Por tantos anos, publicaram poucos autores novos. Agora, sai um autor novo por mês, ou mais. Certo que nenhum tão ridículo quanto Juliana Frank. Mas, but, pero.

Meu letrista preferido

O pessoal do Rascunho me pediu um textinho recomendando um livro. Qualquer um que eu achasse que merecia. Aí vai minha escolha.

Aldir Blanc - Resposta ao tempo. Vida e letras, de Luiz Fernando Vianna, editora Casa da Palavra

Pague um e leve dois: vida e letras. Você não vai se arrepender, freguês. São quase quinhentas letras. Isso mesmo, quase quinhentas. Na verdade, você paga um e leva vários. É uma barbada: cada cem letras valem um livro. Olha que estou jogando por baixo.

A vida, a cargo de Luiz Fernando Vianna, é traçada de modo rápido, sem frescura e com um toque de humor. Vida? Um trailer. Vianna nunca pensou numa biografia, fala de um perfil. Um retrato falado, digamos. Mas ao contrário dos da polícia, dá pra reconhecer o Aldir. Pelo menos na penumbra do boteco.

Não foi uma vida fácil, não é uma vida fácil. Mas qual foi, qual é? Vianna está no clima do Aldir. Com Aldir, as piores dores não se limitam às lágrimas, vão mais longe, ao riso. Dizem que a ironia nos dá um distanciamento. Com Aldir dá e não dá, porque boa parte da comédia é só reflexo do drama e nos fere os olhos como a luz do dia, na saída do cabaré.

Muitas letras do Aldir são como pedras. Parece que sempre estiveram por aí, rolando por séculos até chegarem à forma certa. Parece que ele simplesmente as achou e nos mostrou. Se fosse uma ou duas, dava pra falar em sorte.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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