Carne da mesma carne

Agora a Ciência ? essa senhora que muda de opinião a cada ultrapassagem de si mesma ? afirma que não existem raças. Bom, vão …














Agora a Ciência - essa senhora que muda de opinião a cada ultrapassagem de si mesma - afirma que não existem raças. Bom, vão ter que avisar os que se acham mais raçudos que os outros.

O corpo humano é tanto tudo isso que você está vendo quanto um tantão que ainda se desconhece. No mais recente resumo científico, é como um caldeirão onde ferve um caldo de cromossomos, no calor ancestral da evolução. Através desse cozimento milenar, os cromossomos trocam figurinhas e daí surgem diferentes linhagens, com diferenças tão somente figurativas. Quer dizer, para a natureza, não existem nem figurões nem figuraças.


Desse tal ensopadinho de enzimas e aminoácidos podem surgir tanto as giseles bündchens quanto os renans calheiros. Quer dizer, no prato que o contém, o mingau biológico ora fascina, ora repugna. Pra se ver do que a incerteza genética é capaz, ou incapaz.


Das boas conclusões a que chega a Ciência, a principal, e definitiva, é que por dentro todo mundo é igual. O que há séculos deixou de ser novidade nas mesas de dissecação. O que sempre ouvi da minha desinstruída avó Florinda. O que crêem todos os sensatos neste mundo insensato.


O fato novo é que, no nosso exterior - o revestimento epidérmico, os tipos de cabelos, os traços fisionômicos, as tipicidades anatômicas -, tudo nele é secundário para a classificação que mais interessa: a humanidade é uma só, etnias são apenas atributos físicos na espécie, ínfimas sutilezas de DNA. Mas como o interior influi muitíssimo menos que as evidências externas no julgamento de um ser humano por outro, assim nascem os preconceitos.


Assim nasceram as cotas raciais no Brasil. Que nada mais são que a oficialização da segregação pela aparência. Para (re)valorizar segmentos historicamente injustiçados no país, decretou-se uma proteção que estigmatiza imensa parte da população por meio de padrões arcaicos. No fundo, as pessoas passam a garantir vagas no ensino superior por um suposto demérito, em vez das prerrogativas que o direito à igualdade sublinha.


O conceito que a Ciência impõe é progressista, inovador sob qualquer ponto de vista, do antropológico ao social. E o que o Governo propõe é um recuo da ótica humanista a tempos obscuros, quando a alma e o caráter de um indivíduo eram pré-julgados a partir da cor da pele e outros sinais discriminadores. Uma falsa hierarquia genética (onde nenhuma é possível), criada para que civilizações preservassem domínios e vantagens sobre povos. Essa contradição nacional é mais um atraso do pensamento oficial que uma manifestação da sociedade brasileira.


Por isso os resultados dos testes de DNA, que surpreenderam pela revelação de insuspeitados coquetéis de miscigenação, têm que repercutir. Uma simples espiadela no sangue a produzir enorme bem à auto-estima do Brasil. Eles confirmam o que o bom senso afirma: qualquer segregação, se houver, que seja pela conduta anti-social, jamais por detalhes superficiais. Que façam logo o exame nos 7 bilhões de terráqueos, pra ver se diminui a desigualdade mundial.


Quanto a mim, ainda desconheço o meu DNA. Suspeito que seja humano.



O órgão que faz as celebridades pensar
o que pensam é o célebro.
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Para seus pais e seus professores,
o pior do comportamento do menino
Johann Sebastian eram as fugas de Bach.

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Estirpe é um acessório muito caro que
os abastados usam enrolado no pescoço.
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Nem sempre as pirâmides foram piramidais.
Os engenhosos egípcios é que aperfeiçoaram
esse formato.
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O suor é formado por esforços de certas glândulas
quando espremidas por baixos salários.
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No Brasil, quando as vacas não vão pro brejo
nem os brejos vão até as vacas, ocorre a seca.
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O turíbulo é utilizado na liturgia católica para
espalhar o consenso de que Deus existe.
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Um cavalo-vapor equivale a 75 cavalos.
Um carroceiro pode valer um cavalo.
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Sem as sondas, seriam impossíveis as experiências
com as sondagens.
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Plátanos e álamos são árvores da mesma
família dos láudanos e dos cálamos.


Etc.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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