De pouco um tudo

Digitado desde 1º de janeiro, 2005 passa agora a indigitado. Por tudo que nos perpassou, já vai tarde ? por volta da meia-noite. Os …


















Digitado desde 1º de janeiro, 2005 passa agora a indigitado. Por tudo que nos perpassou, já vai tarde - por volta da meia-noite.

Os anos, os anos. Perfazem uma invariável sucessão, variando só nos sucessos e insucessos dos fatos consumados que nos consomem. Vão-se os anos, e finca-se o pé para não ficar-se em vão.


Nesta época, todos se põem a pensar em ciclos. A criança que cresceu fecha um triciclo. O malabarista da esquina, um monociclo. A máquina de lavar, seus mecânicos ciclos. A natureza se recicla, sugere um balanço de vida. Eu mesmo procuro um flamboyant razoavelmente menos florido para pender duas cordas e um pé na tábua.


Como os calendários de parede foram assassinados pela digitalização, não se pode agora erguer um contra a luz, feito chapa de raio-X. Não se pode examinar os traumatismos anuais. Aqui, aquela fissura amorosa. Ali, uma fratura financeira. Rachaduras mensais, luxações semanais. E a luz de agora, esse céu tão sulino, esse sol todo azulino, não foram feitos mesmo para contrastar com traumatismos no esqueleto existencial. Cegue-se de luz e siga-a.


E os espelhos mostram o espírito da época. Os rostos, reflexivos ou não, são (re)avaliados conforme o ângulo, o rigor, a coragem. A face oculta em primeiro plano, na contabilidade conclusiva das pregas diárias. 365 sinais espelhados de relance. Vê se te enxerga, meu! Reparando bem, melhor não reparar.


Repetitivo ritual esse, de repensar o impensável. Nem novo é o ano, menos novas as etapas, antigas são todas as fases. Novo, novíssimo até dizer te aprochega, é cada dia em si, o de amanhã sobretudo. Sobretudo de manhã.


O balanço balança. Pra lá, idos e passados; pra cá, vindas e vindouros. Um gracioso movimento atemporal: o vai-vém se inclina para frente no impulso do incerto e se reclina para trás em ondas reais de déjà vu. Tudo sob o frondoso bem-estar do presente.


Felicidade um pouco é isso: gozar de mais uma temporada no planeta que nos coube depois de bilhões de ciclos sem nós nele. Vivo hoje e isso me basta. Só entre o instante que está indo e momento que vem vindo o meu coração balança.


É. Troco qualquer grande retrospectiva pela mais insignificante expectativa.

Poeminha pensativo

Roda, Rodin, roda
diante do plenário:
traseiro no seixo
quórum refratário
cabeça cabisbaixa
recesso salafrário
mão no queixo
eterno calvário


Ah, pensador,
diante do reacionário
que joga nas onze
te digo: ainda bem que
teu saco é de bronze!

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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