Dois anos de saudades intensas do cão Dalai

Por Márcia Martins

Será uma coluna curta (pelo menos é o que pretendo). Mas nunca consigo ser resumida. Não escreverei sobre feminismo, ainda que esse tema continue a ser recorrente nos meus textos. Não vou comentar as últimas asneiras do governo de Jair Bolsonaro, ainda que o presidente (que não é o meu) todo dia se supere ao falar alguma bobagem e que esse assunto possa voltar em algum momento. Também não vou expor minha preocupação com o peixe que fiz no domingo e que carecia de toda forma de inteligência, já que não tentou, em momento algum, fugir do óleo. Não falarei aqui hoje sobre presentes da minha lista de Natal, festas de final de ano, falta de educação das pessoas em dias de chuva ou qualquer outro assunto mais leve e despretensioso.

Preciso compartilhar com leitores e leitoras (e sei que existem porque senão a xará não estaria me mantendo neste espaço) a intensa e desesperada saudade que tenho do cão da raça shih tzu Dalai. Há dois anos, exatamente no dia 8 de novembro, uma quarta-feira que jamais saiu da minha mente, depois de sofrer 62 dias com uma doença cruel e que lhe tirou o vigor de viver, de caminhar pela casa, de dirigir-se até o pote de comida, meu neto canino sagitariano entregou os pontos. O cusco mais amado, mais meigo, mais amigo, mais afetuoso, mais companheiro que alguém poderia ter virou uma estrelinha e, desde então, apesar de saber que ele se tornou um parceiro fiel de São Francisco, Dalai é uma saudade que me dói todos os dias.

Sei que cada cachorro é diferente na sua essência, nas suas travessuras, no seu comportamento, independentemente de raça. Mas eu digo com toda a certeza que Dalai era um cão único. Com aquela sua pelagem maravilhosa que misturava tons de branco e cinza e seu focinho achatado, ele se acomodava no braço do sofá e ficava calmamente acompanhando tudo que eu fazia ou até mesmo o que eu não fazia. Só pulava do sofá se eu me levantava para ir à cozinha preparar algo para comer. Podia ficar o dia inteiro sozinho no apartamento. Não incomodava. Desde que tivesse abastecido de água, ração, com o seu pufe arredondado devidamente localizado no canto da sala e uma peça com luz acesa.

Para ele, não importava qual das duas lhe dava mais atenção (eu ou minha filha). Ele nunca demonstrou (embora a geminiana aqui volta e meia desenvolvesse um certo grau de ciúme) preferência explícita. Dalai chegava ao cúmulo (acreditem) de esticar seu corpo sempre lindo e perfumado no meio do corredor quando Gabriela estava no seu quarto e eu não sala para reafirmar que era o cachorro amado de nós duas. Ele jamais deixava uma pensando que tinha mais o seu amor do que a outra. E quando chegava alguma visita, o cão de nome budista enlouquecia. Ah, com certeza. A fim de mostrar toda a sua alegria, ele corria alucinado de um lado a outro da sala. Parecia que naquele momento ele estava ligado na tomada.

Só tive uma filha. Então, fiquei sem comprovar uma tese insistente que a minha mamis Mirthô sempre apresentava. Na sua sabedoria materna, mamãe dizia que cada filho (a) é um (a), que cada um (uma) é diferente, mas que o amor é igual na sua intensidade. "Não se ama mais um filho do que o outro", ensinava Mirthô. Não sei se a mesma tese pode ser estendida aos amores de filhos e netos caninos. Mas, uns cinco meses após a partida do shih tzu, adotamos o Quincas Fernando Martins, que tem preenchido os meus dias com a mesma entrega, dedicação e amor que o Dalai. Quero dizer, com isso, que não amo mais o Dalai do que o Quincas ou que gosto mais de um do que o outro. São sentimentos diferentes, embora na mesma intensidade.

Às vezes, me pego pensando se o Dalai iria adorar este novo apartamento, com uma janela imensa de frente para uma rua movimentada. Tenho dúvidas se ele gostaria, como o Quincas, de sentar-se perto da janela e se fingir de zelador do prédio. Outras, fico imaginando se Dalai se tornaria mais sociável e menos casmurro se fosse passear no cachorródromo da Praça Garibaldi ou do Tesourinha e se iria interagir com os demais cães como faz o Quincas sem a mínima cerimônia. E qual seria o seu comportamento com a sistemática da guarda compartilhada (15 dias comigo e 15 dias com a minha filha e sua companheira) como ocorre atualmente com o Quincas.

Dalai era um cão especial. Lindo demais. Fofo de todas as formas possíveis. Que nunca dispensava um afago na nuca. Um cachorro enigmático. Um cusco que só acontece uma vez na vida das pessoas, talvez para ensinar como se amar de forma tão impetuosa e derradeira. Um cachorro que me dói todos os dias e que me fez fugir do propósito de escrever uma coluna curta.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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