Lar, doce ou salgado lar

Nesses tempos de gororoba a quilo, é preciso valorizar cada vez mais a comidacaseira. Até eu, que mal conjugo o verbo cozinhar, invento receitas. …







































Nesses tempos de gororoba a quilo, é preciso valorizar cada vez mais a comida
caseira. Até eu, que mal conjugo o verbo cozinhar, invento receitas. É a minha
homenagem às cozinheiras domésticas, de mãos e imaginação cheias.
É possível preparar comida caseira a partir de dois tipos de casa: a de madeira
e a de alvenaria. Depende da ocasião, dos comensais e, claro, de encontrar
casas na feira, coisa cada vez mais rara. Na periferia, alguns mercadinhos às
vezes oferecem casinhas apetitosas. Com sorte, dá pra achar ingredientes
avulsos em locais de materiais de demolição. Bom proveito.

Macarronada de telhado
Ingredientes:
Uma estrutura completa do madeirame, como vigas, barrotes, caibros e ripas.
Na falta alguns, se pode usar sarrafos, que fica como aquele espaguete cabelo
de anjo.
Telhas, de preferência aquelas francesas, avermelhadas. Caso não goste, use
telha tipo canoa - as escurecidas pelo tempo têm sabor de funghi!
Modo de fazer:
Ponha uma piscina térmica pra ferver. À parte, rale as telhas e prepare um molho
denso. Na fervura, jogue as madeiras dentro. Quando ficar al dente, despeje o
molho através de uma calha. Dá para uma porção de risos.

Carreteiro de assoalho
Ingredientes:
Uma área grande de tacos - ou parquê, para os mais saudosistas - em tons
claros e escuros.
Dois ou três m2 de ladrilhos hidráulicos, azulejos ou pastilhas.
Modo de fazer:
Pique a madeira em quadradinhos e refogue em Cera Parquetina. À parte,
triture o material cerâmico. Misture toquinhos e pedregulhos. Enfeite com tiras
de linóleo. Sirva sem correria.

Salada de quintal
Ingredientes:
Duas ou três árvores frutíferas que já deixaram de dar frutas, frondosas árvores de sombra, moitas diversas, um capinzal alto, ervas de terreno abandonado.
Modo de fazer:
Espere um vendaval para colher tudo fresquinho. Na falta de chuva, aproveite
noites com sereno. Misture em arranjo de copas, galhos e feixes. Sirva antes que
murchem na memória.

Sobremesa de sótão e porão
Ingredientes:
Apesar de sumidos, procure um sótão, desses com cumeeira com janelinha e
um porão de pedra, com janelinha gradeada para a calçada.
Modo de fazer:
Ponha o sótão diretamente sobre o porão, deixando as janelinhas para o mesmo
lado. Polvilhe com teias de aranha, coisas esquecidas, guardados inúteis, histórias
terríveis, e está pronto. Enquanto come, espie pelas janelinhas.

Sanduíches de portas e janelas
Ingredientes:
Duas portas antigas completas, de pédireito alto, com ou sem batente, daquelas que se abrem em par, com portinholas de vidro colorido e gradeado protetor.
Devem vir com as dobradiças, que temperam melhor.
Algumas janelas de casario, sempre com persianas, caixilhos com vidro bisotado,
de preferência ainda nas esquadrias, que as tornam mais nutritivas.
Modo de fazer:
Entre as portas abertas, sobreponha as janelas, intercalando cortinas ensopadas
em anil e outras engomadas. Pedacinhos de peitoril amaciados por cotovelos
podem acrescentar delicioso sabor de passado. Sirva com água da bica.

(Para a amiga Terezinha Rodrigues, que ensina o sabor e aprende o saber)


Toda vez que algum barril de pólvora ameaça explodir no
Oriente Médio, a ONU faz sempre o que está ao seu alcance:
oferece pavios mais longos.

" Ajuda humanitária" é isso que permite que as vítimas
(crianças, mulheres e idosos) sofram em melhores condições.

Guerrear - verbo transitivo direto. Pacificar - verbo transitório.

Nesses conflitos, entre mortos e feridos salvamse,
sempre, os mandantes e os comandantes, os políticos
e os poderosos, os espertos e os experts.

Antes de pretender intervir onde quer que seja, a internacional
Força da Paz tem que primeiro tratar do seu raquitismo pacifista.

Em regiões críticas, enquanto há impasse, há esperança.

A diferença entre alvos militares e alvos civis é que para
acertar nestes últimos nem é preciso fazer pontaria.

Blogueiros israelenses e libaneses discutem sua situação
via internet. Exemplar. Como se sabe, software não sangra.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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