Mantenha distância

Só o que faltava. No retorno do feriado de 1º de maio, em que fiz plantão (coisas da profissão), e de programar a semana …

Só o que faltava. No retorno do feriado de 1º de maio, em que fiz plantão (coisas da profissão), e de programar a semana e pensar no que iria cozinhar e descongelar, vestida de dona-de-casa moderna, fui ligar o meu computador e ele avisa "Modo de Segurança". Sei lá o que é isso. Não sou assaltante, nem assassina, um pouco louquinha, talvez, mas nada que mereça camisa de força. Porque será que meu computador, que me acompanha há tantos anos, resolveu se defender de mim? Com um tipo de plaquinha na frente da obra escrita "mantenha distância". Fala sério.


Meu lado geminiano persistente fez o que me parecia mais prático, antes de chamar o técnico e pagar uma visita para que ele me mostrasse o óbvio e falasse com aquele ar de superioridade: "A senhora já apertou F1 e F2?". De prontidão, perdi quase uma hora no liga e desliga a máquina. Tentei usar a tecla F1 e F2 (alguém já me falou nestas criaturas uma vez). Quem sabe ele voltava ao "Modo Normal". Nada. Tudo em vão. Depois de dois dias tentando, percebi que o "Modo de Segurança" permitia que eu tivesse acesso a coisas básicas do meu computador, a quem chamo carinhosamente de "Juquinha".


Pois, precisava a gerigonça do Juquinha estragar para que eu tivesse uma certa consciência da importância destes avanços tecnológicos na vida de um jornalista. Eu que nunca tive intimidade nenhuma com nada muito evolutivo. Sem desmerecer minha capacidade. É que alguns têm dom para certas "parafusetas" e eu não. Lido, sem dificuldade, com word, windows, excel, front page (poderosa) e tudo o mais. Desde que o computador funcione. É a mesma relação que mantinha quando era proprietária de algum veículo. Colocar a chave na ignição, tudo bem. Mas olhar o óleo, a água, calibrar pneu? Me economize.


Esse pequeno desentendimento com meu computador me levou a pensar nas vantagens da tecnologia para todas as profissões, mas, é lógico, meu foco caiu no jornalismo. Afinal, o que seria de nós, meros mortais, sem uma olhadinha básica na internet para ver as manchetes dos jornais pela manhã? Ou, como sobreviver sem usar o Google para fazer uma busca rápida sobre qualquer assunto? Ou ainda, como passar uma noite tranqüila, com sonhos encantadores sem olhar meus emails antes? E os frees facilitados pelo computador, banda larga, celular e outras coisinhas mais? Tudo indica que teríamos trabalho dobrado.


São Judas Tadeu, que dizem, é das causas impossíveis e difíceis, ajudou e eu estou conseguindo conversar com o Juquinha. Confesso, sem muita intimidade. Ele está um pouco precavido e arredio comigo. Não me permite muito. Algumas ferramentas não consigo acessar e ele sorri, com um ar de arrogância e cinismo. Mas, eu não desço dos tamancos e finjo que não é comigo. Vou à procura de outras alternativas até que ele vai, pouco a pouco, me mostrando que o Modo de Segurança não é tão seguro assim. Apesar dessa bondade do computador, sei que terei que chamar um técnico. A velocidade dele está longe de campeão de Fórmula 1. Parece mais o desempenho de um fuca 66.


Como era díficil a nossa vida sem o maravilhoso mundo eletrônico, sem as ferramentas da era virtual, sem as matérias de coberturas especiais mandadas por email, ao invés do fax, sem a operacionalidade das fotos digitais, sem a rapidez de uma banda larga. Aliás, alguém lembra o tempo em que as redações tinham uma sala envidraçada, denominada de gaiola, em que ficava o pessoal que recebia o material de agência? Ou da dificuldade que era quando se ia fazer alguma cobertura e achar um hotel com máquina para redigir a matéria, calcular o número de laudas e mandar, tudo via fax, rapidinho para não perder a edição?  


Um dia destes, remexendo no baú de recordações, encontrei umas caixas de papel de revelação de fotos, que eu sempre pedia para os fotógrafos no início da minha carreira no Jornal do Comércio. As tais caixas eram ideais para guardar fotografias, hoje amareladas e com cheiro de passado. Como foi trabalhoso explicar para a inquieta Gabriela que algum tempo atrás, nos jornais, não se tinha só foto digital. E pensar que tem profissional da comunicação que ainda prefere uma velha Olivetti ou perder minutos acertando o foco de alguma máquina Yashica. Eu, principalmente como mãe ultramoderna, que até sabe a música do Armandinho e (desculpa Ulisses Nenê) alguns funks, sou fã das novidades. Tudo para facilitar o trabalho e a vida. Mas, tomara que meu computador, o Juquinha, volte a me reconhecer.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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