O sonho indestrutível

Diretamente da capa do Diário Gaúcho para a Coletiva: uma senhora de 85 anos realiza um antigo sonho. Ela vai debutar. É, isto mesmo, …

Diretamente da capa do Diário Gaúcho para a Coletiva: uma senhora de 85 anos realiza um antigo sonho. Ela vai debutar. É, isto mesmo, aos 85 anos. Idade que para algumas pessoas é sinônimo de cemitério, para ela é a idade de realizar um sonho há muito guardado. Bebeu na "fonte da juventude" e seguiu em frente, para tornar seu sonho realidade.
Quantas pessoas acham que seus sonhos foram enterrados, perdidos para sempre? Canso de falar com pessoas que dizem que não tem mais jeito, que o jogo está perdido, que é tarde demais. Esta, do tarde demais, é a que mais ouço. Tarde demais para que, se o tempo é uma medida relativa (Einstein que o diga)?
Pessoalmente, não vim a esta vida para passear. Vim para viver, em toda a sua extensão. Com as dores, amores e tudo o que a vida traz consigo. Acredito que quem encara a vida desta forma entende que ela é interminável e eterna enquanto dura, como a paixão descrita por Vinícius de Moraes. Assim, sempre encontra uma nova disposição para refazer um caminho, reinventar-se, levantar de um jeito diferente de manhã, tirar o pó e tocar em frente aquele velho projeto engavetado há anos.
Dizer que é tarde demais é achar que a vida só pode ser vivida até uma determinada idade. Depois disto, deve ser a morte em vida. Nunca é tarde demais para se apertar o "iniciar" novamente. A vida se renova a cada dia, como o sol vem e vai. Já pensaram se o sol cansasse da rotina? Mas não, ele nos brinda com seu brilho, na aurora e no pôr-do-sol, todos os dias. Diariamente prepara um grande espetáculo de cores e luzes, mesmo que muitas vezes nem notemos, tão apressados.
Talvez possa resumir da seguinte forma: paixão pela vida. Enquanto temos paixão por algum projeto, por alguém, por uma causa, ali estaremos, cheios de vibração e energia. Se esta paixão se vai, sobra a flor murcha do que fomos. Cabe a nós, ao longo da vida, regar esta pequena planta da paixão com nossa energia, alegria, vibração, entusiasmo.
Tarde para quê? Para ver o sonho realizado? Nunca. Se não realizamos o sonho antes, foi porque não deu. Ou porque faltou grana, ou porque estávamos deprimidos, trabalhando muito, ou porque nasceu um filho, ou porque estivemos doentes, não importa. Como já disse sabiamente o professor Ruy Ostermann, o homem é o homem e suas circunstâncias. Se não realizamos, foi porque não deu. Fazemos o que conseguimos fazer. Se você não pode aprender a pintar quando tinha 30 anos, por que não agora, que tem 60?
Talvez as pessoas estejam sendo contaminadas pelo culto à juventude eterna, plastificando-se e se siliconizando, tudo para ter a mesma aparência que tinham aos 20 anos. Evidentemente, não conseguem. Já conversei com verdadeiras múmias, por incrível que pareça. Esta busca alucinada pela juventude está servindo a um antigo desejo do homem: o da imortalidade. Ficar para sempre jovem é jamais admitir a morte. É não querer vê-la, com sua foice afiada e escura. Pois bem, ela faz parte da vida. Parece-me muito mais inteligente do que ficar fazendo plástica, botox, silicone, para tentar permanecer imortal, se jogar com todas as rugas e energias em projetos engavetados. Estes tornarão nossa passagem por aqui imortal. Mesmo que não seja para os outros, terá sido para nós, pelo prazer silencioso de uma pequena grande realização.
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