Os deuses da Babilônia

Fico devidamente boquiaberto com os Jardins Suspensos da Babilônia e com o túnel que Nabucodonosor construiu sob o rio Eufrates, que, apesar de lamacento …

Fico devidamente boquiaberto com os Jardins Suspensos da Babilônia e com o túnel que Nabucodonosor construiu sob o rio Eufrates, que, apesar de lamacento e pouco arejado, funcionou muito bem por décadas sem nem um acidente. Mas fico muito mais boquiaberto com os sessenta e cinco mil deuses dos babilônios. O interessante é que eles tinham menos problemas religiosos com todos esses deuses do que o pessoal de hoje que acredita num só.

Antiamericanismo

Nas últimas duas ou três colunas, andaram pipocando aqui umas notinhas contra os gringos. Não é que minha implicância com eles tenha aumentado por causa da chuva, do frio e da falta de assunto. O acaso me levou a topar com os gringos em livros e jornais, apenas isso. Mas é verdade que gosto de falar mal deles, mesmo sendo tão fácil. Agora, minha implicância com a arrogância, a brutalidade, a canalhice e a culinária indigesta deles, escoradas num patriotismo tão desinformado que parece meio débil mental, não atrapalha em nada minha admiração e amor por uma meia dúzia de escritores e cineastas americanos.
Então mais uma

Deu na BBC: "O governo dos Estados Unidos reconheceu nesta segunda-feira a morte de 83 cidadãos da Guatemala, infectados nos anos 1940 com doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis e gonorreia, durante experimentos médicos. Uma comissão de inquérito (?) concluiu que cerca de 1.300 pessoas foram expostas às doenças. Ao todo, 5.500 pessoas participaram dos estudos, sem saber dos riscos que corriam (?). Entre os infectados, apenas 700 receberam tratamento médico. Ao fim, 83 morreram. (?) A comissão reconheceu que os cientistas americanos infectaram prisioneiros, pacientes psiquiátricos e órfãos guatemaltecos em estudos que testavam a abrangência do uso da penicilina". Quando os cientistas de um país agem assim, o que pode se esperar de gente mais primitiva, como milicos, banqueiros e fabricantes de armas?

Suassuna

Segundo Fernando Monteiro, Suassuna dizia aos seus alunos que era mais importante ler José de Alencar do que Joyce. Olha, eu nem gosto muito do Joyce, mas não assino uma idiotice dessas. Ler José de Alencar só é mais importante que ler Joaquim Manuel de Macedo.

Gore Vidal

"A não ser como auxiliares da masturbação, romances não têm papel algum na vida contemporânea." Eu gosto muito das ironias do Vidal. Mais, elas fazem bem à minha sanidade, mesmo neste caso, em que ele força um pouco a mão, digamos, sem querer encaixar uma piadinha caindo de madura. Que o romance, ou a literatura em geral, perdeu a importância que tinha no século 19 e parte do 20, não há o que discutir. Mas ainda há leitores por aí. Eu mesmo, apesar de ser um péssimo exemplo, penso o que penso e sinto o que sinto devido principalmente a alguns poucos escritores. Além de muita diversão, eles me deram as armas pra olhar o mundo e a mim mesmo. Se fosse só a escola e a televisão, na certa eu teria aceitado aquela assessoria de vereador que me ofereceram nos tempos da ditadura, na adolescência.

The voice

Mais de uma mulher me disse que minha voz, ao telefone, é o máximo. Preferia que fosse pessoalmente. Mas o pior é que vivo num tempo em que as radionovelas não deixaram nem saudade. Eu poderia ter sido galã. Um azar tremendo. Mas também tive sorte por viver num tempo em que a penicilina é um remédio banal. Se eu tivesse nascido antes dela, teria batido com o rabo na cerca aos vinte anos. Que Poliana me abençoe.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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