Pentelhistas militantes

O impagável Sérgio Augusto, comentando sua amizade com João Ubaldo Ribeiro, lista algumas afinidades, como o “horror a púbis glabros”. Ubaldo se declarava um …

O impagável Sérgio Augusto, comentando sua amizade com João Ubaldo Ribeiro, lista algumas afinidades, como o "horror a púbis glabros". Ubaldo se declarava um "pentelhista militante". Taí, enfim encontrei uma bandeira.

Arthur Dapieve

"Em junho, lancei mão de uma expressão em inglês para falar do que sinto pelo ministro Joaquim Barbosa: mixed feelings. Traduzir para 'sentimentos misturados' não dizia exatamente o mesmo. Traduzir pelo jargão psi, para 'dissonância cognitiva', explicaria algo que não era para ser explicadinho. Daí meu apreço por mixed feelings."

Mas nós não temos a expressão "sentimentos divididos"? Pelo menos me lembro de ter ouvido muita gente dizer que se sentia dividida em relação a isso ou aquilo. Me parece que a proverbial velhinha que não sabia se casava ou comprava uma bicicleta estava nessa sinuca de bico, com sentimentos conflitantes, mas com o mesmo peso. O fato de uma expressão falar em misturado e a outra em dividido pra dizer a mesma coisa não tem nada demais. A língua tem disso o tempo todo.

Claro que toda língua tem palavras ou expressões de significado fugidio. Claro que todo tradutor é um traidor. Mas também é claro que há tradutores com jogo de cintura ou não, que há tradutores que conhecem mais sua própria língua que outros e que alguns casos não passam de falta de imaginação ou de pura frescura.

Deu na BBC



"Pesquisadores disseram ter traduzido o significado de gestos que chimpanzés selvagens usam para se comunicar. Segundo eles, os animais usam um conjunto de 66 gestos para transmitir 19 mensagens específicas. A descoberta foi feita acompanhando e filmando comunidades de chimpanzés em Uganda, e após a análise de mais de 5 mil casos dessas trocas significativas."

Dezenove mensagens específicas? É muito mais do que a gente vê nas caixas de comentários na rede.
Dicionário do mau digitador
Estralajadeiro. Dono de estalagem muito irritadinho. Ou peidorreiro.
Emboro. A presidenta vai embora, o presidente vai emboro.
Reijeição. É quando baixa o conceito do soberano na opinião do povo.
Crítica
Me fizeram a seguinte crítica: eu seria um escritor que pensa como tradutor. Confesso que não sei o que isso quer dizer. Mas, pegando a afirmativa de forma literal, acho que é exatamente o contrário: sou um tradutor que pensa como escritor. As preocupações que tenho com linguagem, atmosfera e ritmo não são pro bico de muitos tradutores, pelo que se vê cotidianamente nas livrarias.
Deu na BBC (de novo): Máscaras pré-históricas
Trecho tirado de uma matéria sobre exposição de máscaras pré-históricas no Museu de Israel, em Jerusalém: "As pessoas que criaram esta obra estavam entre os primeiros seres humanos a abandonar a vida nômade e estabelecer assentamentos permanentes. Porque as máscaras são anteriores a escrever por pelo menos 3.500 anos, não há nenhum registro de seu uso. Hershman e Goren acreditam, no entanto, que as máscaras de calcário esculpidas foram usadas como parte de um culto ancestral, e que os xamãs ou chefes tribais usavam as máscaras durante um baile de máscaras, como um ritual em homenagem aos falecidos."
Eu adoro essas adivinhações dos cientistas. A maior parte das pessoas é incapaz de reconstituir acontecimentos que testemunhou pessoalmente sem se deixar levar por fantasias de todo tipo - com grande participação do sexo, religião e política -, ou por simples falha de percepção, imagina o que sobra pra pobre da idade da pedra. Pior pra mim, que me interesso mais pelo povinho das cavernas que por qualquer outro.
"'Elas são os primeiros vislumbres de reflexão existencial', disse James Snyder, diretor do museu. Ele observou que as máscaras possuíam uma 'conexão impressionante' com a obra de arte do século 20, dizendo que parecia algo que Picasso poderia ter criado."
Devagar nas pedras, mister Snyder. O senhor esquece que Picasso passou a desenhar daquele jeito depois de chupar as máscaras africanas. A conexão é no sentido inverso.
PS: perdi a matéria da BBC, mas, se você tiver curiosidade de ver mais algumas máscaras, siga este endereço.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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