Sem lista de promessas

Nem só de presentes arrumados embaixo do pinheirinho, brincadeira de amigo secreto, cartas e pedidos ao Papai Noel, ceias gastronômicas e felicitações sobrevive o …

Nem só de presentes arrumados embaixo do pinheirinho, brincadeira de amigo secreto, cartas e pedidos ao Papai Noel, ceias gastronômicas e felicitações sobrevive o período natalino e de troca de ano. As comemorações do período, fatalmente, induzem a um balanço dos 365 dias do ano que logo se encerram e sugerem uma lista de boas ideias. Afinal, existirá um novo outono, inverno, primavera e pedaço do verão. Seremos brindados com mais 52 semanas e mais de 8.750 horas. Tempo que deveria ser suficiente para cumprir com todos os propósitos elencados na virada do ano. Ou pelo menos para não repetir as bobagens.
Como de boas intenções o inferno está lotado e tem gente com senha comprada de cambista na fila de espera, as listas de promessas, invariavelmente, terminam não cumpridas. No meu caso, pelo menos. Quantas vezes prometi, de pé junto, não mais exigir devoção total de algumas amigas? Sei lá. E quantas eu jurei, sem cruzar os dedos escondidos para desmanchar o ato, que não implicaria tanto com minha filha em vários quesitos? Principalmente, a mandando estudar muito e sempre mais. Perdi a conta. Inúmeras outras vezes prometi, a Santa Edwiges, protetora dos pobres e endividados, que não gastaria além da receita.
O comprometimento com as metas traçadas, normalmente, termina sem nenhum aviso prévio, lá pelo quarto mês do ano, porque antes de abril, às vezes, nem sequer nos damos por conta que já estamos no Ano Novo. É só depois das férias de verão, do carnaval, da Páscoa e outros feriados, que começamos a notar que burlamos a lista de boas ideias. Mas sempre resta o consolo de mais oito meses para infringirmos qualquer possibilidade de bom senso interno e particular. Com a aquiescência do nosso juiz doméstico que fecha os olhos para qualquer falta cometida e não encontra o cartão vermelho para acalmar o jogo.
Sei da necessidade de projetos, estratégias e metas. Sei que quando existe um objetivo no final do caminho, ele pode ser traçado com mais rapidez. Sei da importância de um balanço de perdas e vitórias ao findar de cada ano. Tudo tem princípio, meio e fim. Mas já não sei planejar o futuro. E receio projetar dias e meses seguintes. Talvez por conta da idade mais avançada denunciada nos cabelos brancos disfarçados pela pintura constante. Talvez porque saiba que nem sempre os nossos planos felizes dependam única e exclusivamente de nós. Aprendi a viver só o hoje, o agora, o presente. O resto é lucro.
Para não dar chance ao azar, admito vestir uma roupita íntima da cor do orixá do ano. Pisar, no primeiro segundo de 2011, com o pé direito. Saborear uma cumbuca de lentilha bem quentinha para trazer dinheiro. Escolher alguém do sexo masculino para ganhar o primeiro abraço do ano novo. A lista de mandingas acaba aí. Não é falta de fé no ser humano, no próximo, no universo, enfim. Trata-se de conhecimento profundo da minha vontade de ser feliz agora. De viver o momento, o instante. Às vezes, se melhorar estraga.
Em 2011, quero continuar escrevendo aqui, se o editor Vieira permitir, e também rabiscando poemas. Penso em procurar uma editora para um livro com as colunas. Sei que viverei momentos ternos ao lado dos familiares, com a chegada do sobrinho Lucas, em janeiro/fevereiro, e do sobrinho-neto, em maio. Pretendo intensificar as visitas à minha mãe, que já não tem a eternidade a ser vivida. E, cada dia ser mais feliz e carinhosa com a filha Gabriela. Não preciso mais do que isso. Tá bom demais.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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