Um Brasil inegavelmente latino-americano e fantástico contado por Tomás Chiaverini

Por Marina Mentz

Praticamente como faz Gabriel García Márquez em Crônicas de uma Morte Anunciada, que já nas primeiras frases do livro conta que fim terá a história, Tomás Chiaverini anuncia o que se deve esperar do episódio 107 do podcast "Rádio Escafandro". Sem medo nenhum de perder a audiência para os cinquenta e tantos minutos que virão à frente, ele diz que não: a primeira história a ser contada naquela sequência não será a mais surpreendente de todas. Para isso usa uma metáfora sobre Matrioskas.  

Em "Dr. Oscar e o menino que precisava enxergar" vamos conhecer a história do cirurgião gaúcho Oscar Espellet Soares, que, meio sem querer, teve sua vida guiada até os cernes do Amazonas e lá mudou os rumos da medicina no país - principalmente no que diz respeito à saúde dos povos indígenas. Com uma área de atendimento de 110 mil quilômetros quadrados e uma população de aproximadamente 23 mil indígenas, Oscar era o único médico responsável por muito tempo.

Assim como García Márquez, o também jornalista Chiaverini nos faz materializar cenas quando ouvimos suas reportagens - pois o podcast Rádio Escafandro, como já citei em texto anterior, é isso: um jornalismo profundo, comprometido e de responsabilidade. Ao longo da reportagem surgem adjetivações, que normalmente não fazem parte do decoro jornalístico, mas que ali cabem mais que bem.

Há inúmeros episódios com reportagens sobre temáticas pouco óbvias, com fontes de referência e cases que dão inveja em qualquer repórter. Mas "Dr. Oscar e o menino que precisava enxergar" é o suco mais puro de Rádio Escafandro. Ali vemos reflexão, inspiração e terminamos o episódio com uma pontinha a mais de esperança.

Não que eu esteja comparando o colombiano ao brasileiro, embora já tenha feito isso. Mas estou dizendo da excelência que resulta o trabalho de cada um deles, no formato em que, também cada um deles, se propõe a produzir. O realismo fantástico está em obras da literatura tipo "Cem Anos de Solidão", de Gabo, das artes visuais tipo "O Veado Ferido", de Frida Kahlo, e do cinema tipo Bacurau. E a realidade, mas também com muito de um Brasil inegavelmente latino-americano e fantástico, está em "Dr. Oscar e o menino que precisava enxergar".

Autor
Marina Mentz é jornalista, doutora e pesquisadora das infâncias brasileiras. Cofundadora da Bisque Laboratório Criativo, tem experiência na área de Comunicação, com passagens por agências e redações de jornal impresso, televisão, rádio e digital. Há 12 anos, pesquisa a presença das violências contra infâncias na mídia. E-mail para contato: [email protected]

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