Votar é teimar

Poucas coisas parecem tão decisivas quanto uma eleição (a não ser a crucial decisão do humorista sobre qual assunto abordar). Tanto que até os …





















Poucas coisas parecem tão decisivas quanto uma eleição (a não ser a crucial decisão do humorista sobre qual assunto abordar). Tanto que até os indecisos influem. Mas, afinal, o que se decide ali, solito e ateu, diante da urna? Decidi pensar nisso com os meus botões, que me acompanharam à cabine.



O primeiro botão, no alto da camisa, opina se achando sabichão: político é tudo igual, não vale a pena nem peneirar.


Discordo. Tem político safado de berço, político surrupiador por vocação, político sacana por formação e estudo. E tem político íntegro, inatacável por todos os lados do caráter. Pessoalmente não conheço nenhum mas sei de gente que ouviu falar.


O botão do meio salta da casa e salienta a corrupção geral, entre parlamentares municipais, estaduais e federais.


Peraí. Vareia: tem político corrupto até a raiz dos cabelos, tem político corrupto ao nível do tornozelo, político corrupto em certas zonas da pele (a fraqueza moral como um vitiligo), todos na mesma proporção desta nossa sociedade corruptora e corruptível. E existem políticos honestos, embora só perceptíveis através de lentes poderosas nos plenários.


Outro botão observa que no campo do corporativismo é joio à esquerda e à direita.


Não generalizemos em meio ao capinzal. Tem político que defende sobretudo os interesses da mais corporativista de todas as classes, político que se beneficia do corporativismo só quando pinta uma ocasião que não dê na vista, político que se aproveita do mandato pra não desperdiçar a ambição pessoal. E tem político que a única vantagem que leva é ser apontado como exceção à regra.


O botãozinho no bolso atalha: legisladores não se dedicam a legislar para melhorar a nação. Nas câmaras, enrolam por mandatos seguidos.


Ô, entre esses há diferenças. Tem político que não faz nada pelo país de norte a sul, enquanto outros prejudicam o Brasil apenas de terça a quinta, sem falar naqueles sempre omissos, de olho na pensão vitalícia. E existem os abnegados (a lei da probabilidade admite uns raros), que trabalham como se os seus esforços modificassem o panorama, o que já configura uma alteração significativa.


Outro botão, no punho esquerdo, se manifesta: ganhe quem ganhe as eleições, as cidades e os estados perdem, o país nada ganha, porque candidatos a prefeitos e governadores e presidentes só prometem e não cumprem.


Calma. Tem administrador público que é apenas incompetente, outros escolhem mal suas equipes, muitos acham que a inexperiência pode dar conta da pretensão, além daqueles que vão pros cargos só pra faturar futuros cargos eletivos mais elevados. Tirando esse carreirismo, de vez em quando surge o inesperado, alguém que enfrenta o desafio de cidades e estados inchados de problemas empurrados com a barriga por décadas, supera as insuficiências das verbas com criatividade e consegue promover pequenas melhorias essenciais.


Na manga direita, um botão me cutuca: para humoristas, nada mais fácil que desmoralizar o processo democrático com críticas repetitivas, às vezes destrutivas.


Esse é fácil de abotoar: o humor é uma das tantas maneiras de tentar influir no meio, quem sabe sirva a um hipotético aperfeiçoamento da própria democracia. Já as críticas, essas não têm o poder de destruir nada, principalmente essa coisa indestrutível que é a politicagem brasileira.


Enfim, o que é decidido diante da urna é isso: se o voto é de confiança no regime ou de desconfiança na espécie. Nenhuma apuração consegue distinguir.


"Antes de entrar no elevador,
verifique se o mesmo encontra-se neste andar."
(Lei /DF Nº 3212 de 30.10.03)


Antes de entrar no elevador, verifique se
o seu QI está à altura do redator deste aviso.


Antes de entrar no elevador, verifique se este edifício tem
mesmo tal meio de transporte. A espera pode ser longa.


Antes de entrar no elevador, verifique se você
encontra-se mesmo fora dele.


Antes de entrar no elevador, verifique se o edifício
tem mesmo todos os andares que afirma ter.


Antes de entrar no elevador, verifique se você não está
parado diante de outro elevador no prédio da esquina.


Antes de entrar em pânico, verifique se o elevador
também encontra-se em pane neste pandemônio.


Antes de entrar no mérito da questão, verifique
se o ascensorista não é revisor.


Antes de vandalizar a plaquinha na porta do elevador, verifique
se a mesma ainda se encontra onde se encontrava.


Antes de entrar no elevador ausente, verifique
se a sua lógica está presente.


Antes de entrar em parafuso neste andar,
verifique se em vez de alertar os usuários não seria
mais racional exigir elevadores menos falíveis.


Antes de despencar deste andar sem elevador,
verifique se o fosso encontra-se mesmo lá no fundo.


Etc.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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