Marcelo Canellas se despede do Diário de Santa Maria depois de 14 anos

Jornalista se posicionou contra decisão editorial em influenciar no espaço de charge do impresso

Marcelo Canellas | Divulgação
Após 14 anos e meio, o jornalista Marcelo Canellas deixa de publicar em seu espaço semanal no Diário de Santa Maria, no qual contribui desde a edição número 1, em 2002. Em um post no Facebook, o comunicador, que atua na TV Globo há 27 anos, informou aos seus leitores que se desligou do impresso por não concordar com uma decisão editorial dos novos donos do jornal, que assumiram em novembro de 2016.
Conforme publicou em sua página da rede social, Canellas informou que "o motivo é um só: a decisão da nova direção de impor limites editoriais à charge", ao se referir ao espaço do colega chargista Elias Monteiro. Ao Coletiva.net, o jornalista disse que é uma questão de princípio. "É um erro intervir na charge, que é um espaço de opinião. Opinião assinada não tem a ver com editorial. Isso fere a liberdade de expressão", enfatizou.
Mesmo com a decisão, Canellas deixou claro tanto em seu post quanto para a equipe do portal que respeita os empresários que assumiram "corajosamente o empreendimento numa conjuntura de dupla crise, da economia em geral e do jornalismo impresso como modelo de negócios".
Leia a post na íntegra:
DESPEDIDA DO DIÁRIO DE SANTA MARIA
Como todos sabem, o Grupo RBS vendeu o Diário de Santa Maria para 11 empresários da cidade. Os novos donos me convidaram para permanecer no jornal, onde, em meu espaço semanal, publiquei mais de 700 crônicas nos últimos 14 anos e meio. O convite era para assinar um artigo de opinião, também semanal, e me deixou agradecido e lisonjeado. Em um primeiro momento, o aceitei porque prezo demais a relação que construí com os leitores de um veículo tão envolvido com a comunidade, onde escrevo desde o dia de sua fundação, no já longínquo ano de 2002, e que me permitiu manter, mesmo à distância, uma interlocução permanente com a cidade que tanto amo. O livro que publiquei pela editora Globo há 3 anos, "Províncias - Crônicas da Alma Interiorana", é, inclusive, uma coletânea de meus textos no Diário. Entretanto, um dado novo me fez voltar atrás. Quero explicar aqui aos meus leitores por que estou deixando o jornal.
O motivo é um só: a decisão da nova direção de impor limites editoriais à charge. Com todo respeito aos empresários que assumiram corajosamente o empreendimento numa conjuntura de dupla crise, da economia em geral e do jornalismo impresso como modelo de negócios, trata-se de um erro que fere o princípio da liberdade de expressão. Quando um diretor diz a um chargista o que ele deve fazer está interditando a independência intelectual que é a própria razão da existência da charge. Um jornal, obviamente, tem todo o direito de estabelecer diretrizes editoriais. Mas uma das leis pétreas do jornalismo de qualidade é a de que charge não pode ter baliza ideológica, charge é opinião assinada e nada tem a ver com linha editorial. Charge é o espaço da liberdade absoluta. E, ainda que possa parecer, uma charge contrária à linha editorial não é afronta, é defesa da pluralidade e da liberdade que carreiam prestígio e credibilidade. E este velho repórter, com quase 30 anos de janela, pode afiançar: não há patrimônio maior para um veículo de comunicação do que prestígio e credibilidade.
Há ainda o agravante de que o Diário contava com um dos mais talentosos chargistas deste país, Elias Monteiro, ou simplesmente Elias, como toda gente na cidade o conhece. Sei que o Elias permanece como ilustrador do jornal, o que é ótimo. Mas a extinção de seu espaço de charge, com suas opiniões fortes, claras, bem definidas, acaba também com aquele sopro diário de provocação inteligente. Nesta conjuntura de intolerância e interdição ao diálogo que estamos vivendo, com recusa sistemática ao contraditório, a charge do Elias era uma trincheira de defesa da reflexão e do debate. Mesmo as reações raivosas de leitores que não concordavam com as charges do Elias, particularmente por sua posição contrária ao impeachment de Dilma Roussef, me pareciam parte de um profícuo aprendizado de convivência democrática. Se nos recusarmos ao dissenso, vamos viver fechados em clubes enfadonhos ouvindo tediosamente o que têm a dizer apenas os que concordam conosco. Por isso, a charge independente é também um antídoto contra a chatice.
Espero que os novos donos tomem minha crítica como algo construtivo que leve à reflexão. Quero deixar claro que essa é minha única ressalva. As outras mudanças que, navegando na edição online, já percebi terem ocorrido, me levam a acreditar que teremos um jornal melhor do que aquele que tínhamos. A equipe de jornalistas do Diário, que conheço muitíssimo bem, de comprovado talento e compromisso com a notícia de qualidade, foi mantida e me faz ter a convicção de que a nova proposta de aprofundar a cobertura de cidade, com ênfase nos assuntos que interessam à comunidade, vai dar asas a esse pessoal. Sei que a redação, em vez de demissões, está é sendo ampliada para dar conta dessa nova inflexão, o que me enche de otimismo como leitor. Quero dizer aos colegas do Diário: continuo, como assinante, acompanhando a rotina da minha cidade nas notícias e grandes reportagens produzidas por vocês. Vou continuar me indignando, me alegrando e me emocionando com o que sair dos teclados dessa redação vibrante e aguerrida. Boa sorte! Vida longa ao Diário de Santa Maria!

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