Entidades da Comunicação no Brasil reivindicam direitos de artistas e criadores em cenário de avanço da IA generativa

Representantes dos setores musical, audiovisual, editorial, economia criativa e dramaturgia apresentaram uma carta de recomendações sobre o uso da tecnologia ao Senado Federal

Entidades visam à inclusão de dispositivos ao Projeto de Lei (PL) 2338/2023 - Crédito: Banco de Imagens/Canva

Entidades da Comunicação no Brasil, representadas por Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Associação Brasileira de Jornais (ANJ), reivindicam direitos de artistas e criadores em um cenário de avanço da Inteligência Artificial (IA) generativa. Representantes dos setores musical, audiovisual, editorial, economia criativa e dramaturgia apresentaram nesta segunda-feira, 8, uma carta de recomendações sobre o uso da tecnologia ao Senado Federal.

As entidades visam à inclusão de dispositivos ao Projeto de Lei (PL) 2338/2023, inspirado no Ato Europeu da IA, aprovado em março, e que regulamenta a tecnologia no Brasil. O texto deverá ser votado ainda em abril e é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD), com relatoria do senador Eduardo Gomes (PL).

Em carta, as entidades reconhecem os avanços e benefícios da IA como sendo fundamentais para o progresso social e econômico do Brasil. Contudo, as organizações alertam para a necessidade de manter um avanço seguro e que proteja os direitos de terceiros. Os signatários afirmam que as obras geradas por ferramentas do tipo podem resultar em "punições injustas aos criadores e titulares, além de uma enorme perda para a indústria criativa, sendo imperativo impedir a prevalência desse nocivo cenário".  

No documento ainda consta que as entidades destacam "como forma de preservar a sociedade, é importante garantir a mineração por meio de bases de dados seguras, imparciais, livres de tendências ideológicas e que sejam acessadas sem violar direitos de terceiros". Na carta, também é solicitado que sejam levados em consideração os autores originais "incluindo de propriedade intelectual, a fim de evitar usos indevidos que venham a reproduzir modelos prejudiciais aos legítimos interesses dos titulares de direitos autorais".

Entre as recomendações, está a informação prévia sobre quais obras e produções serão utilizadas no treinamento de IA no âmbito da economia criativa; controle para preservar a transparência, responsabilização e a qualidade das bases de dados; compensar para reconhecer o valor da criação e remuneração dos criadores, e outros. Ainda, a carta sugere que os conteúdos gerados por IA não poderão ser assemelhados nem protegidos pelas normas da propriedade intelectual.

O documento também apresenta recomendações para a violação de normas. As entidades propõem que a responsabilidade sobre possíveis danos deverá recair sempre sobre as empresas e desenvolvedores da tecnologia. "Não há dúvida de que a IA representará uma estratégica ferramenta para o desenvolvimento, mas isso jamais poderá significar a substituição da criação e da centralidade do ser humano diante das expressões culturais, que representam a verdadeira força da inovação e da criatividade", consta na carta.

Além da Abert, ABI e ANJ, participam da iniciativa o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), a Comissão Federal de Direitos Autorais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No momento, o documento está sendo entregue aos senadores que participam da Comissão Temporária do Senado e que estão tratando do tema.

Confira na íntegra a carta enviada pelas entidades:

Aos Excelentíssimos Senhores Senadores,

As entidades cujas logomarcas constam da presente carta, representantes dos setores Musical, Audiovisual, Editorial, Dramaturgo, bem como entidades de representação de classe como o Instituto dos Advogados Brasileiros e a Comissão Federal de Direitos Autorais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, vêm apresentar recomendações para que sejam incluídos no PL 2338/2023, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco, com relatoria do Senador Eduardo Gomes, dispositivos que venham a assegurar os direitos dos criadores e intérpretes de obras artísticas, obras intelectuais e produções protegidas, a fim de evitar a subtração dos direitos de toda a classe artística.

O PL 2338/2023, apresentado com a finalidade de estabelecer um Marco Civil para Inteligência Artificial, representa importante iniciativa legislativa e acompanha a preocupação da comunidade internacional em regulamentar o uso adequado da Inteligência Artificial, especialmente a IA Generativa, a fim de que sejam mantidos hígidos os direitos de terceiros e a plena transparência de seu desenvolvimento. O Ato Europeu da IA, aprovado no mês passado, veio com essas premissas e sua versão original, datada de 2021, inspirou o PL 2338/2023.

Não há dúvida de que a Inteligência Artificial é tema fundamental para o desenvolvimento social e econômico do país. Trata-se de tecnologia ainda em desenvolvimento, que deverá ser empregada com segurança, de forma a garantir um grau mínimo de riscos às pessoas.

No caso da Inteligência Artificial Generativa, conseguiu-se a técnica de algoritmos que estimulam o aprendizado de máquina, tornando-os capazes de produzir novos conteúdos a partir da mineração de informações e dados em larga escala em inúmeras bases já existentes no campo digital. O treinamento repetido da ferramenta, alimentado por um volume gigantesco de informações, padrões, linguagens e imagens, permite a disponibilização de novas formas e informações diferentes das originais, o que, em muitos casos, dificulta a identificação das obras utilizadas.

Nesse sentido, como forma de preservar a sociedade, é importante garantir a mineração por meio de bases de dados seguras, imparciais, livres de tendências ideológicas e que sejam acessadas sem violar direitos de terceiros, incluindo direitos de propriedade intelectual, a fim de evitar usos indevidos que venham a reproduzir modelos prejudiciais aos legítimos interesses dos titulares de direitos autorais.

É do senso comum, que o uso de material protegido pelos direitos autorais pressupõe licenciamento prévio de seus respectivos titulares. Todavia, no caso das ferramentas envolvendo a IA, em especial a nominada de generativa, as utilizações massivas de obras e produções protegidas pela propriedade intelectual sem autorização prévia, no processo de mineração de dados para desenvolvimento da IA, têm sido o usual e o seu principal combustível para geração de textos, imagens e produções, representando clara violação dos direitos de propriedade intelectual.

No âmbito da indústria criativa, hoje a IA é capaz de gerar qualquer tipo de obras artísticas e imagens treinando máquinas com obras protegidas, para que passem a fazer parte do mercado consumidor, descartando as obras originais, e resultando em punições injustas aos criadores e titulares, além de uma enorme perda para a indústria criativa, sendo imperativo impedir a prevalência desse nocivo cenário.

Nesse sentido, as entidades subscritoras, vem requerer o apoio de Vossas Excelências no sentido de considerar a plena garantia aos direitos intelectuais, como forma de preservar os direitos de autores e artistas, responsáveis pela formação da Cultura Nacional. Diante disso, uma norma justa e protetora dos titulares de direitos autorais deve assegurar o respeito a faculdade exclusiva deles em consentir, controlar e serem compensados, da seguinte forma:

  1. a) Consentir para assegurar o respeito à Lei de Direitos Autorais e previamente saber quais obras e produções serão utilizadas no treinamento de IA.
  1. b) Controlar para preservar a transparência, a responsabilização e a qualidade das bases de dados, preservar os direitos morais e compreender os resultados.
  1. c) Compensar para reconhecer o valor da criação e a remuneração dos criadores. Portanto, para garantir os direitos de propriedade intelectual, o PL 2338/2023 deve ter clara previsão para estabelecer que:
  1. a) O uso de obras e produções protegidas para mineração de dados e desenvolvimento de ferramentas de IA deverá estar submetido a autorização prévia.
  2. b) Os conteúdos gerados por IA não poderão ser assemelhados ou protegidos pelas normas da propriedade intelectual.
  3. c) Apesar dos setores da indústria criativa não encontrarem espaço para novas exceções e limitações aos direitos autorais, caso a legislação venha a inserir alguma previsão, as exceções e limitações da mineração de textos e dados e o desenvolvimento de ferramentas de IA deverão ser restritas e submetidas ao teste dos três passos previsto na lei brasileira e nos tratados internacionais, que regulam os princípios dos direitos autorais, sempre preservada a prerrogativa do titular de direitos autorais autorizar ou proibir o uso de sua obra ou produção. As exceções nunca deverão ser consideradas ou utilizadas para a mineração de dados ou o treinamento comercial, e os usos não comerciais só deverão ser permitidos em determinadas situações estabelecidas por diretrizes claras e jamais admitir prejuízo injustificado aos titulares de direitos autorais.
  4. d) O treinamento de sistemas de IA e a aplicação dos algoritmos pelos serviços devem ser transparentes e permitir aos titulares de direitos autorais o controle e o acompanhamento sobre os modelos de uso de suas obras e produções.
  5. e) É importante que as normas estabeleçam a responsabilidade civil objetiva das empresas e dos desenvolvedores de IA como regime aplicável aos danos causados por ferramentas de inteligência artificial.
  6. f) O ônus da prova deverá recair sempre sobre as empresas e os desenvolvedores de IA. Não há dúvida de que a IA representará uma estratégica ferramenta para o desenvolvimento, mas isso jamais poderá significar a substituição da criação e da centralidade do ser humano diante das expressões culturais, que representam a verdadeira força da inovação e da criatividade.

Diante das propostas apresentadas, as entidades requerem a inclusão no PL 2338/2023 dos pontos acima elencados e reiteram sua disponibilidade para contribuir com o debate parlamentar, com a finalidade de alcançar o adequado texto regulatório. Aproveitamos o ensejo para renovar nossos protestos de elevada estima e consideração.

Atenciosamente,

Firmado por Sydney Sanches, Presidente Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Comissão de Direitos Autorais da OAB Nacional.

Firmado por Paulo Rosa, Presidente da Pro-Música Brasil.

Ambos em representação das entidades cujas logomarcas constam da presente.

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