Ricardo Stricher: O despertar do olhar

Por Gabriela Boesel Positivo e apaixonado pela profissão, o fotógrafo Ricardo Stricher costuma dizer que é privilegiado, pois Deus lhe deu a vida e …

Ricardo Stricher | Reprodução/Arquivo pessoal
Por Gabriela Boesel
Positivo e apaixonado pela profissão, o fotógrafo Ricardo Stricher costuma dizer que é privilegiado, pois Deus lhe deu a vida e a chance de registrá-la.
Ricardo Stricher não tem diploma, nem finalizou o cursou de graduação em Jornalismo, mas tem orgulho de dizer que sua escola foi a prática, a vivência nas ruas e os ensinamentos de colegas de profissão. Apaixonado pelo trabalho, costuma dizer que, além de gostar "de" fotografia, aprendeu a gostar "da" fotografia. "São duas coisas distintas e muito importantes", conta.
No início da conversa, já é possível ter uma ideia das referências culturais do fotógrafo. Na cafeteria, pede um expresso e um quindim. "Era isso que o Quintana pedia", diz. E, ao desfrutar do doce, conta a história da sua vida. Nascido e criado em Porto Alegre, tem a cidade como sua maior musa, a exemplo do poeta gaúcho. Cantos, ruas e pessoas são alvos da câmera que, como costuma dizer, é uma extensão do seu corpo. "Prefiro andar um dia inteiro com a máquina do que passar o resto da vida lamentando a foto que não tirei", fala.
O detalhe é o que mais lhe interessa, e defende que as particularidades fazem a diferença e tornam a fotografia mais bela. Para isso, não basta ter uma câmera na mão, é preciso enxergar com os próprios olhos. "Eu fotografo com o olhar, a máquina é apenas um acessório."
Autor do livro "Porto Alegre Invisível", diz que procura sempre colocar sua visão sobre a cidade, por isso caminha pela Capital em busca de lugares novos ou esquecidos. Aliás, esse é o único esporte que pratica. Como profissional da área, tem participação em livros sobre o Mercado Público e sobre o lago Guaíba, e tem orgulho de dizer que leva a fotografia como estilo de vida.
O tempo dá o caminho
Com mais de 40 anos de experiência na bagagem, Ricardo não se vê longe da câmera. Filho do jornalista Melchiades Stricher, já falecido, cresceu em meio ao universo da comunicação e, desde jovem, mostrou interesse pela fotografia. Aos 14 anos, ganhou sua primeira máquina, "uma Olympus que dobrava o quadro", e explica, entusiasmado, que nunca mais largou.
Ainda criança, frequentava a redação do Diário de Notícias, com o pai, e convivia com personalidades da área, já se familiarizando com a rotina da profissão. "O pai me dava um filme, eu batia as fotos e ele levava para revelar no jornal", lembra. Da infância carrega outra recordação, ainda muito viva na memória. Foi quando descobriu o laboratório fotográfico da redação do periódico. "Quando entrei lá pela primeira vez, já sabia que era o que eu queria para a minha vida."
Com o tempo, foi colecionando histórias e experiências, afinal, foram 38 anos atuando como fotógrafo profissional na Prefeitura de Porto Alegre. Como servidor público, cobriu comícios, desfiles de Carnaval e ações na comunidade, o que lhe permitiu conhecer outras realidades e aprender com as diferenças, como gosta de enfatizar.
Com o fotojornalismo, desenvolveu também a arte de raciocinar com rapidez. "Se tu não fotografares naquele momento, passou e já era. E isso se aprimora com o tempo, pois é ele que te dá o caminho", ensina. Como exemplo, fala dos eventos políticos, onde é preciso se posicionar e "brigar com todo mundo" para conseguir uma foto boa. "Tem que fazer uma superfoto no meio da confusão. Mas sempre consegui. Se aprende na marra."
Atuou também como fotógrafo de cena de cinema por cerca de 10 anos, colecionando participações no Festival de Gramado. Pelo mesmo período de tempo, fez fotografia em teatro, e descobriu a diferença de registrar a cena em movimento e parada. Conta, aos risos, que as duas experiências foram no amor à camiseta. "Não ganhava um "pila", mas voltava feliz para casa", recorda.
Nas suas produções, tem orgulho em dizer que não costuma usar flash, nem recursos como Photosop. Prefere a luz natural, pois "dá um diferencial e não fica artificial", e acrescenta que tais escolhas deixam a foto mais original, e quem as vê sente a verdade. "Naturalidade permite uma cumplicidade com a foto."
Atuou em Zero Hora e era sócio da extinta editora Redactor, atividades que tornavam o dia a dia corrido, pois trabalhava na editora pela manhã, na Prefeitura à tarde e no jornal no turno da noite. Nunca reclamou. "O que vale é o que tu conquistaste na tua trajetória e as pessoas que cruzaram teu caminho." Adauto Vasconcelos, Salomão Scliar e Maurecy Santos, o Santinho, são algumas personalidades que merecem ser lembradas e fala, com um misto de satisfação e orgulho que todos os ídolos e heróis do Jornalismo que tinha na infância, hoje, ou são seus amigos, ou já trabalhou com eles.
Dos conselhos que recebeu, um merece destaque. Ainda na Prefeitura, um ex-chefe lhe disse: "Foto boa é foto pronta". E assim aprendeu que não adianta falar da fotografia, é preciso mostrá-la. Dentre os momentos de satisfação, nenhum, até agora, superou o Prêmio ARI que recebeu em 2012. "É uma emoção inesquecível. Fui aplaudido na ida e na volta quando busquei o troféu. Esse reconhecimento me marcou muito", se emociona.
A melhor foto é a próxima
Essa premissa guiou sua profissão. "A gente não pode ficar satisfeito." Ajudar novos talentos também foi uma maneira de encarar a carreira com mais leveza. Deu e, até hoje, dá apoio a grupos de teatro, dança e música que estão se inserindo no universo cultural. A recompensa vem depois. "Quando fazem sucesso, me chamam para fotografar profissionalmente. Plantar para colher depois", projeta, entusiasmado.
As fotos que não tirou são sua maior frustação. Foi no Farol de Santa Marta, em Santa Catarina. Numa noite, sozinho, Ricardo se deitou no topo de um pequeno morro e contemplou o cenário. "Olhei para cima e o céu estava limpo, cheio de estrelas. Era o universo na minha frente." Sem recursos, não pôde fotografar, mas ficou registrado na memória.
A felicidade está nos detalhes
Além de profissão, e paixão, o fotógrafo tenta sempre fazer da fotografia um instrumento de alegria. "Para toda pessoa que olhar para a minha foto e der um sorriso, eu cumpri minha missão", diz. Missão que vai ao encontro de outro objetivo, o de desenvolver a tolerância e a paciência, aptidões que considera fundamentais para o cotidiano. Nessa linha de pensamento, defende que as pessoas deveriam pensar mais no próximo, no futuro, e tentar criar um mundo melhor para todos. "Precisamos desenvolver o nosso lado coletivo."
E por falar em futuro, para daqui a alguns anos tem apenas um desejo: "Estar vivo", diz, aos risos, e complementa que quer que o caminho que está sendo percorrido seja cada vez mais iluminado. "Espero que as coisas aconteçam naturalmente, que eu possa, com minha fotografia, fazer as pessoas mais felizes", almeja.
Não atuar na área é uma coisa impensável e diz que não tem a mínima ideia do que seria se não fosse fotógrafo. E acrescenta: "A fotografia está no meio da minha formação cultural, profissional, da vida". Tanto que folga é uma palavra que não faz parte do vocabulário, pois fotografa todos os dias.
A filha Lavínia, 12 anos, é fruto de um casamento que já terminou. Sem dar detalhes, Stricher conta que é separado e não tem nenhum relacionamento sério. "Mas não fico sozinho", revela, rindo.
Fotógrafo de cena da própria vida
Aposentado do serviço público há dois anos, hoje trabalha apenas com projetos próprios. Participa de exposições - somando 17 na carreira - e tem planos de lançar o volume dois da obra "Porto Alegre Invisível" ainda para este ano. Seu maior propósito para um futuro próximo é trabalhar com crianças. Quer desenvolver em escolas um programa para despertar o olhar fotográfico nos pequenos. Também pretende, um dia, cursar História, apenas a título de conhecimento pessoal.
Seguidor da doutrina espírita, acredita na bondade, no respeito ao próximo, e diz que escolheu o caminho do bem. "Se alguma coisa boa acontece na vida, é porque a gente mereceu. Se for algo ruim, é uma lição de vida", fala. Cultivar pensamentos positivos para a vida ficar mais leve é sua linha de pensamento e, com esse pensamento, quer olhar para o passado e ver que viveu plenamente, fazendo referência ao livro "Confesso que vivi", de Pablo Neruda.
O gosto pela leitura vem da infância. Conta que toda vez que brigava com os irmãos, o pai dizia: "Se não têm nada para fazer, vão pegar um livro". E, hoje, a fotografia também ocupa um lugar especial nas prateleiras. "É um assunto que evolui rapidamente, então não posso perder tempo e ficar obsoleto." Obras como "O Quarto Poder - Uma Outra História", do jornalista Paulo Henrique Amorim, e "A Privataria Tucana" estão na lista dos que leu ultimamente.
Jazz e bossa nova são seus estilos musicais prediletos e comemora o fato de ter conseguido introduzir a filha nesse mundo musical. "Todos os sábados temos o ritual de almoçar e deitar no sofá para ouvir Eric Clapton", orgulha-se. E para encher o pai ainda mais de alegria, a filha já está descobrindo o universo da fotografia.
A produção francesa "Diplomacia" foi um dos últimos filmes que assistiu no cinema. "A inteligência do diálogo é fascinante." Fã de cinema cult, defende a arte que faz o público pensar. "Filme hollywoodiano só faz pela bilheteria", condena. No quesito "cozinha", confessa que não se aventura, mas faz o básico, o feijão com arroz. Prato preferido, entre tantas opções, dá destaque ao entrecot acebolado do Bar do Beto, famoso estabelecimento de Porto Alegre.
Gremista convicto, já assistiu a muitas partidas de futebol do time do coração, na época do Olímpico Monumental, mas abandonou o hábito quando ir aos jogos deixou de ser seguro e divertido. ""Quando começaram com os arrastões, não fui mais", lamenta.
Convencido de que não tem nada do que reclamar, só a agradecer, costuma dizer que fotojornalismo não dá dinheiro, mas a gratificação pessoal que ele permite não tem preço. "Não modifica teu lado econômico, mas modifica a tua vida como ser humano." E é assim que Stricher se define: uma pessoa realizada e privilegiada. "Deus me deu dois presentes: a vida e a oportunidade de registrá-la. Não preciso de mais nada."
 

Comentários