Ciro Castilho Machado: Um sonhador

Entre a timidez e a ousadia, o radialista Ciro Machado transitou pelo mundo do rádio, da televisão e do Direito

Por Gabriele Afonso
Dizem que a primeira impressão é a que fica, ditado que não vale quando se conhece Ciro Castilho Machado. Após a apresentação e alguns minutos de conversa, o jornalista e advogado mostra que, apesar da aparência sisuda, está mais para um homem tímido e reservado. O tom de voz denota que o rádio sempre foi a sua grande paixão. É com uma dicção impecável e um timbre que faz lembrar os antigos programas de rádio - nos quais a boa música, as radionovelas e a declamação de poesias elevavam a audiência das emissoras -, que Ciro recorda sua trajetória como radialista, profissão que exerceu durante muitos anos e que lhe causa saudade e nostalgia até hoje.
Com aparência esguia, postura ereta e impositiva, Ciro não revela a idade, apenas confessa que está na casa dos 60 anos. Admirador do rádio desde pequeno, conta que narrava futebol de botão quando seus amigos organizavam uma partida. Dessa brincadeira, nutriu a vontade de ser narrador esportivo, cargo que teve a oportunidade de assumir na TVE. Não sabe ao certo se foi a timidez ou a falta de oportunidades que lhe impediram de tentar ser locutor esportivo. "Eu era muito tímido profissionalmente, não tinha essa característica de 'dar a cara' e pedir. Sempre fui meio retraído nesse aspecto", assume.
Essa característica também o retraiu na tentativa de ser cantor, desejo que alimenta até hoje. Apesar de estar sempre nas cabines das rádios, nunca teve coragem de encarar um estúdio de gravação. Com um gosto refinado, Ciro diz que desde guri gostava de escutar Silvio Caldas, Nelson Gonçalves, Núbia Lafayette, Eydie Gormé, Trio Irakitan, e outros. "Sou um cara que sempre gostou mais das coisas do passado". Em relação à leitura prefere os romances, os de Machado de Assis e Eça de Queiroz. "Todos deveriam ler esses autores para aprender um pouco da capacidade que eles tinham ao utilizar o português, a gramática", ressalta ao dizer que com o uso da internet as pessoas estão criando uma nova língua, e que isso deve-se à falta de leitura.
Natural de Arroio dos Ratos, região carbonífera do Estado, Ciro veio ainda pequeno para Porto Alegre com o pai Odetto, técnico agrícola, a mãe Dorilda, dona de casa, e a irmã mais nova, Circe. Casado há 35 anos com a dona de casa Magali Pschichholz Machado, os dois residem no mesmo bairro desde a adolescência, quando se conheceram. Aliás, Magali mora na mesma rua desde a infância, quando seu pai comprou uma casa com o intuito de ficar próximo ao irmão. Entre namoro e noivado passaram-se sete anos, casaram-se em 1977. O casal tem uma filha de 30 anos, Viviane, arquiteta formada pela Uniritter.
Rádio, uma paixão
Sem experiência nenhuma, mas com a convicção de que o rádio era o seu destino, e a certeza de que possuía uma boa voz para exercer a profissão de radialista, Ciro escreveu diversas cartas para algumas emissoras da época. Entre elas estavam a rádio Cultura, de Gravataí; a rádio Itaí; a rádio Metrópole e a rádio Princesa, da qual recebeu o convite para fazer um teste e, aprovado, iniciou com locução comercial, em 1969. "Na época existiam em Porto Alegre apenas oito ou nove emissoras AM, e a rádio Princesa tinha uma boa audiência", ressalta.
Antes mesmo de iniciar a carreira no rádio, o radialista sempre quis cursar a faculdade de Direito, mas, na época do vestibular, optou pelo Jornalismo, pois percebeu que o ingresso na rádio poderia lhe trazer outras oportunidades. Por isso, decidiu se aprimorar. Formado em 1973 pela Faculdade de Comunicação Social da PUC, ainda na rádio Princesa, passou a fazer locuções de notícias e, mais tarde, ganhou um programa no horário da noite, no qual declamava poemas, especialmente de J.G. de Araújo Jorge, "o poeta maldito da época", como lembra o radialista.
Ciro acredita que, apesar dos tempos atuais, esse tipo de programa ainda seria apreciado por muitos ouvintes. "Vejo hoje que a parte comercial é prioridade. O horário da noite nas rádios poderia ser utilizado para a apresentação de programas de poesias, educativos, principalmente na área do Direito, onde as pessoas poderiam aprender como exercer a sua cidadania, a partir do conhecimento dos seus direitos".
Aliás, a questão de defesa dos direitos do cidadão sempre esteve inserida em sua essência. "Sempre gostei de redigir estatutos e artigos de lei, gosto de regulamentar", justifica. Após o ingresso na rádio Princesa, optou pela atividade sindical, na qual, em 1973, assumiu como secretário no Sindicato dos Radialistas. Passou à vice-presidência e, logo após, assumiu a presidência, onde permaneceu durante dois mandatos, de 1981 a 1986. Entretanto, sofreu algumas resistências naquele período, já que a atividade era encarada com restrições pela ditadura militar. Sempre teve uma boa relação com a classe patronal, mas o fato de ser dirigente sindical lhe trouxe algumas dificuldades na carreira. "Acredito ter contribuído para a área sindical, pois na época estabelecemos convenções que não existiam. Além disso, ajudei a redigir a lei do radialista," explica.
Em 1975, ingressou na concorrida rádio Guaíba, onde permaneceu durante 11 anos. Teve a oportunidade de estar ao lado de profissionais que sempre admirou, como Lauro Hegemann - conhecido pela voz que transmitia as notícias sobre a Legalidade -, José Fontela, Egon Bueno, Rui Strelow, Jânios Boccaccio e Milton Jung, e é deste que Ciro recorda de um fato que lhe marcou a carreira. O episódio aconteceu quando Milton, então apresentador do noticiário Correspondente Renner, não compareceu à emissora. Com o programa prestes a entrar no ar e sem que ninguém assumisse a locução, Ciro ouviu de um colega: "Eu não vou. Está contigo". "Era uma responsabilidade muito grande já que se tratava de um jornal com grande audiência, a maior da época", recorda.
De locutor a fã, Ciro também teve o seu momento de 'tietagem'. O programa Discorama, apresentado no turno da tarde pelo falecido radialista Osmar Meletti, era responsável por entrevistar nomes do meio artístico que vinham a Porto Alegre para se apresentar. Numa tarde, Ciro fazia a locução comercial do programa quando soube que a atriz de cinema espanhola Sarita Montiel seria entrevistada. Não acreditou: "Jamais imaginaria que conheceria uma artista que admirava nas telas do cinema, lá em Arroio dos Ratos, quando era adolescente. Pedi um autógrafo, é claro", conta sorrindo.
E veio a TV
Apesar de se considerar um radialista, foi na TV que Ciro exerceu a profissão de jornalista. Com orgulho, lembra quando recebeu o convite para estrear um telejornal pela manhã na TVE, emissora na qual teve a oportunidade de dividir a bancada com Tetê Machado, hoje falecida, que apresentava o Câmera Dez, na antiga TV Difusora. Comandavam o Bom Dia Gaúcho, que foi o primeiro telejornal produzido pela emissora no Estado. Segundo Ciro, o resultado foi positivo perante os telespectadores, apesar de, na época, a própria emissora não acreditar no êxito do programa. O telejornal ficou no ar por cerca de seis anos, mas o radialista não permaneceu por todo esse tempo, pois recebeu novas oportunidades na emissora. Apresentou outros telejornais até chegar a chefe do núcleo de esportes. Foi quando assumiu como narrador esportivo.
A TVE, em parceria com a rede OM do Paraná, que havia adquirido por dois anos os direitos de transmissão da Copa do Brasil, apresentou os jogos entre 1991 e 1992. A emissora tinha apenas um narrador, o radialista Batista Filho, e, apesar da timidez, Ciro se apresentou como uma alternativa, afirmando que tinha condições de narrar os jogos. Assim, além da Copa do Brasil, o radialista também apresentou alguns jogos do campeonato Gaúcho, em 1994. Lembra com saudade desse tempo e afirma que se sente frustrado profissionalmente por achar que essa etapa não foi finalizada.
Permaneceu na TVE durante 10 anos, e, ainda na década de 1990 passou a produzir e apresentar um programa de entrevistas e prestação de serviço no SBT, o Agenda. A atração ia ao ar de segunda a sexta-feira, às 7h30. Durante três anos, Ciro entrevistou figuras importantes do cenário político do Estado, como José Fogaça e Pedro Simon; artistas como a apresentadora Eliana; o Quinteto do Jô, que na época fazia parte da emissora; e a atriz Irene Ravache, além de profissionais como médicos, cirurgiões plásticos, dentistas e advogados.
Direito e Jornalismo juntos
A ideia inicial era ingressar na faculdade de Direito logo após terminar o Jornalismo. Entretanto, em função dos horários que fazia na rádio, voltou aos estudos na PUC apenas em 1981, e só saiu advogado em 1991. Estava ainda no SBT quando teve uma passagem pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, onde atuou como juiz classista por dois mandatos, representando os trabalhadores, entre 1993 e 1999. Assim como na área sindical, o radialista passou a atuar novamente na área trabalhista. "Acho muito importante que um jornalista tenha conhecimentos em Direito, já que vivemos numa época onde tudo precisa de uma decisão judicial, como a cassação de mandatos de parlamentares, a impugnação de candidaturas, a adoção de novos planos econômicos, enfim", explica, reafirmando a opinião de que o Direito e o Jornalismo devem andar em conjunto.
Hoje, Ciro atua apenas como advogado, mas confessa que é uma profissão muito estressante. Ele afirma que sofre junto com o cliente e que, se fosse médico, sentiria a mesma dor do paciente. "O cliente para mim não é um número, é uma pessoa angustiada em busca de uma solução." Justifica o sofrimento dizendo que tem como principal característica ser perfeccionista, daí a frustração por não seguir a carreira de radialista e de apresentador, para as quais gostaria de voltar.
Perguntado sobre como se define, Ciro fica em silêncio por alguns segundos e olha para a esposa como quem diz 'o que eu digo agora?'. Ela, no entanto, não hesita ao defini-lo como "um moço velho", isso devido ao seu gosto por coisas antigas. Para ele, é "complicado, nem eu me entendo", admite. Apesar de acreditar nas pessoas, afirma que, a cada dia que passa, isso fica mais difícil. Mesmo assim, se diz um cara sonhador, que luta por uma sociedade mais justa e humana.
 
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