Eugênio Neves : Os traços de um utopista

Simples, autêntico e dono de uma opinião crítica. Assim é o ilustrador, que hoje faz um trabalho de militância na web

O ilustrador Eugênio Neves, conhecido como Corvo, transpira ideologia. Dono de uma opinião crítica e, muitas vezes, contundente, a fala de tom baixo e discreto pode até ocultar o lado passional de sua personalidade - que é despertado, principalmente, quando os assuntos em pauta são grande mídia, futebol, problemas sociais ou cultura da violência.
Simples e autêntico, o porto-alegrense foi casado durante 12 anos e, deste relacionamento, tem dois filhos: a socióloga Maíra, 23 anos, e Érico, 18, que se prepara para prestar vestibular. Aos 55, o ilustrador, que nasceu no dia 13 de abril de 1954, mora na mesma rua onde deu seus primeiros passos e permaneceu boa parte da juventude. O cenário do bairro Jardim São Pedro, nas proximidades do Aeroporto Salgado Filho, foi modificado com o passar dos anos, pelo tempo e pelo homem. Mas as lembranças que Eugênio possui desta fase ainda mantêm o mesmo colorido da época.
Voos lúdicos e oníricos
A infância, segundo ele, foi peculiar: embora morasse e usufruísse dos benefícios de uma capital, vivia em um meio praticamente rural, cercado de muito verde. Um dos passatempos preferidos dele e de seu grupo de amigos era sentar (ou deitar) na beira da pista do aeroporto para observar os aviões decolarem. Lembra bem como era sentir o calor e o cheiro de querosene das aeronaves, e a cena dos pilotos olhando da cabine para ele e seus amigos ainda está gravada em sua memória. Talvez este tenha sido um dos fatores que contribuiu para seu fascínio por máquinas e tecnologia, o qual se reflete em seus desenhos.
Quando era criança chegou a construir um avião, um laboratório? Mas o que mais lhe despertava interesse não era nem o brinquedo em si e, sim, a estética e o design final. Eugênio conta que o desenho o acompanha "desde que se conhece por gente". Assim como a maioria das pessoas, arriscou seus primeiros traços e rabiscos na infância. A diferença é que os elogios dos "adultos" serviam de incentivo e indicavam que havia algo diferente em seu traçado. "O desenho permite voos mais lúdicos e oníricos", reflete.
O ilustrador lembra que sentiu na pele o preconceito de o fazer artístico ser considerado uma "coisa não-séria". Porém, nunca foi desestimulado a desenhar. O pai, Byron, representante comercial, mostrava orgulhoso aos amigos os desenhos do filho, mas, ao mesmo tempo, não acreditava que esta era uma forma de ganhar a vida e queria que o jovem cursasse Direito ou Engenharia.
"Toda a criança se expressa graficamente e de uma forma bem desinibida. Mas, a partir de determinado momento, parece que vão se criando constrangimentos e maioria das pessoas deixa de fazer isso." Para ele, desenhar é muito mais que um dom, é uma inclinação que, com o passar do tempo, vai sendo aperfeiçoada. Não basta ter uma vocação, é necessário trabalho.
De Urubu a Corvo
No alto de sua adolescência, por volta dos 15 anos, quando remava no Grêmio Náutico União (GNU), Eugênio era conhecido como Urubu, por causa da pele rubra e dos cabelos pretos - uma herança genética eslava, segundo ele. Mais tarde, não sabe exatamente o porquê, o Urubu transformou-se em Corvo. E assim ficou. Mas esclarece que, atualmente, "só o pessoal das antigas" o conhece por este nome. 
Aos 17 anos, sem perspectivas de passar em um vestibular, viu o desenho como porta de entrada para a vida profissional. A carreira teve início com um estágio em agência de propaganda. Depois, tornou-se arte-finalista de uma empresa de embalagens plásticas e, mais tarde, atuou em um escritório de programação visual. Foi na extinta Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, a Coojornal, que começou a carreira de ilustrador.
Eugênio ainda registrou passagens pela 'Gazetinha', o suplemento da Gazeta Mercantil que depois ganhou vida autônoma como Diário do Sul, e Zero Hora. Desde 1983 atua com teatros de bonecos, criando do desenho à confecção. Também já desenvolveu trabalhos comerciais para televisão usando bonecos, cenários e efeitos.
Um militante da web
Nos últimos tempos, além de eventuais colaborações para revistas, o ilustrador tem se dedicado a publicar suas obras na internet, no blog http://dialogico.blogspot.com/. Crítico voraz da grande mídia, ele reconhece seu trabalho como uma espécie de militância. A mensagem de apresentação do 'Dialógico' avisa: "Texto crítico em mídia dura, tanto blog até que fura!"
Ele, que sempre se considerou ilustrador, mas que agora está chargista, reclama de uma suposta censura ideológica e de uma promiscuidade entre interesses comerciais e de conteúdos. "Está complicado trabalhar na grande mídia. Acho que a charge editorial está morta", avalia. Seus desenhos ilustram a condição humana frente à realidade que se vive, além de abordar o que considera "grandes questões da humanidade", como violência, devastação ambiental e sobrevivência do homem como espécie.
Com o advento do computador, trabalhar com artes gráfica ficou ainda mais difícil, pois, segundo ele, não se percebe a diferença entre um trabalho autoral e um produzido de forma massiva. Este posicionamento explica por que Eugênio não abre mãos das ferramentas clássicas do grafismo, como pena, lápis, pincel e caneta. Autodidata, não possui formação acadêmica, mas se pudesse investir em um curso superior seria em História. "Gostaria de ensinar História, mas do meu jeito. Provavelmente, por causa disso, seria barrado, então?"
Pessimista convicto
Esquerdista apartidário, o ilustrador tem aproveitado a vastidão do mundo da internet para se informar sobre os mais variados temas, entre os quais estão os relacionados à política, economia, História, filosofia e comunicação.
Eclético, quando o assunto é música, faz apenas uma advertência: "Tem que ser harmônica!". MPB e Jazz dos anos 20 e 40 são os gêneros preferidos. Na sua casa, que também é seu estúdio de criação, não pode faltar Tom Jobim, Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Lenine.
Por influência do seu "velho", como diz, passou a gostar de trilhas sonoras cinematográficas. Inspirado no estúdio de cinema norte-americano, o pai chamava o gênero de "música Fox". Quanto ao cinema, descarta obras americanas, filmes de ação e tudo o que envolva "violência gratuita". Prefere cinema clássico e alternativo (iraniano e japonês) e documentários. '2001: Uma Odisseia no Espaço' é um dos filmes favoritos, pois acredita que, na época de seu lançamento, em 1968, revolucionou a ideia de realidade. "Foi um dos poucos filmes que fez com que eu me sentisse transportado", relata.
Embora procure ser um homem do seu tempo, Eugênio reconhece que é inadaptado. Às margens do sistema, está sempre tentando enxergar além do óbvio. Ele se define como pessimista, principalmente quanto à humanidade, mas ressalta que, junto com essa descrença, está o reconhecimento de que existe, sim, a possibilidade de transformar a Terra em um paraíso. "Para que isso ocorra, portanto, será preciso mudar paradigmas e diminuir o nosso ritmo de vida. Estamos entrando em um novo mundo, uma nova era e, mesmo quando se busca alternativas, se busca a alternativa errada."
Imagem

Comentários