Jones Lopes da Silva: Pela excelência

Jones Lopes da Silva transitou por diferentes editorias de Zero Hora e teve em cada uma delas uma escola

Jones Lopes da Silva inicialmente pode ser tímido, mas não hesita em sorrir - e o fez com bastante frequência durante quase duas horas de conversa. Da mesma forma, as dificuldades da infância não o impediram de procurar o sucesso nas áreas das Letras e Comunicação. De família de classe média baixa, da periferia da Capital, ambiente em que era incomum fazer planos, ele se mostrou decidido desde cedo, driblou as incertezas da vida, formou-se jornalista e traçou uma trajetória que se pode dizer vitoriosa pela longevidade - quase quatro décadas dentro do jornal Zero Hora.
Estudante no curso clássico do Colégio Júlio de Castilhos, entrou para a comunicação incentivado pelo amigo Mário Marona, na época repórter de Zero Hora e hoje jornalista independente. Marona foi quem propôs que prestassem vestibular para Jornalismo e também quem sugeriu seu nome ao então editor do jornal, João Aveline. "O Mário Marona é a quem eu devo esse empurrão fatal na área do jornalismo. É um cara que prezo muito, mesmo que a gente mal se encontre. Mas o culpado é ele." Aos 60 anos e hoje editor de Esporte, confessa que já teve dificuldades para escrever, porém, jamais deixou de perseguir a excelência ao contar histórias.
Do aeroporto ao campo
O Aeroporto Internacional Salgado Filho foi, por quatro anos, seu ambiente de trabalho como repórter setorista. Mais do que isso, foi também sua primeira escola. Recém-ingresso na faculdade, pôde cobrir de esporte a política e variedades. Incluam-se aí fatos que vão da passagem de músicos pela Capital a clubes de futebol e líderes políticos como Paulo Brossard e Nelson Marchezan. De repente, deparou-se entrevistando o então presidente João Figueiredo, que visitava o Estado em roteiro de inaugurações. Em meio aos debates sobre as eleições diretas, no entanto, só conseguiu fazer uma pergunta: "Presidente, está sendo difícil levar adiante seu plano de campanha?" A resposta foi um olhar de desprezo, seguida de imediata retirada do repórter do local pela segurança.
De lá, seguiu para a redação, na editoria de Geral. Desse período, escapou de uma enchente em Maquiné, na qual o carro do jornal, uma valente Brasília, transformou-se em uma espécie de barco, levado pela correnteza, e encarou duas viagens de fusca a São José dos Ausentes, sob cerca de 7º C negativos. Do período, assegura que uma conquista especial repousa no aprimoramento do estilo de seu texto. A estreia no esporte foi em 1981, quando assumiu o posto de setorista do Grêmio. Acompanhando o time, viajou pelo Interior, pelo Brasil, pela América do Sul e Central, cobrindo conquistas como Campeonato Brasileiro, Libertadores e Mundial.
Não foi diferente como editor e também repórter da área de cadernos, que agregava os suplementos de Economia, Turismo e Campo & Lavoura. Na produção deste último, que costumava reunir entre 16 e 20 páginas, o menino da zona norte da Capital conheceu o Rio de Grande do Sul, o setor agropecuário e aqueles que o fazem. Em uma reestruturação da redação, ainda passou três meses como editor de Polícia, até retornar à Geral e depois ao Esporte. "Desde então permaneci no esporte, como móveis e utensílios", brinca.
Dos tempos de setorista de aeroporto e do Grêmio, confessa que teve pratos cheios para grandes reportagens, mas diz que o setor nunca foi exatamente o seu lugar. Na edição do Campo & Lavoura, considera, tornou-se um jornalista mais completo, não só como repórter, mas também editor. Com prazos mais estendidos, aprendeu a planejar e executar uma pauta, a deixar a página mais atraente, elaborar melhor o texto.
Entender o mundo
A infância vivida na zona norte da Capital, por conta da timidez, foi de poucos amigos. Os pais, Ademar e Gessi, empenharam-se para que os filhos tivessem acesso à educação de qualidade. No caso de Jones, estudou por um período no colégio particular Vicente Palotti, depois na Escola Estadual Souza Lobo e, por fim, no Júlio de Castilhos, então o mais prestigiado colégio público da Capital. O Jones adolescente, ele sintetiza, "era um garoto muito tímido, sem entender muito o mundo e com uma aflição muito grande por querer entender tudo".
Os jornais levados para dentro de casa pelos pais ganharam sua atenção ainda menino. Sem dinheiro para comprar livros, o gosto pela leitura o conduzia até o centro da cidade, onde costumava retirar livros e LPs na biblioteca do Instituto Cultural Norte-americano. As edições da revista pocket Seleções - Reader?s Digest, com reproduções de conteúdo de agências internacionais, também eram consumidas na juventude. Décadas depois, pôde ler nas páginas da mesma publicação um pouco do próprio trabalho. Vencedora dos prêmios ARI e Esso Regional Sul em 2005, a série "Paixão pelo futebol", feita pela equipe de ZH, foi reproduzida na revista. "Anos depois, eu estava ali, naquilo que lia, junto com jornalistas do mundo todo", enfatiza.
A carreira foi feita toda em uma mesma redação, mas Jones também atuou na imprensa alternativa, a chamada imprensa nanica, entre as décadas de 1970 e 1980. Fez parte da equipe da revista e do jornal Tição, voltado à comunidade negra, e, através de um amigo de redação, conheceu a publicitária Susana Rodrigues, na época estudante da Ufrgs. Do relacionamento, nasceu Wainer, hoje com 29 anos, que trabalha na área de marketing. Com mais de três décadas de casamento, diz que a família precisou lidar com algumas renúncias, motivadas pelo dia a dia da profissão. "Enquanto o pessoal da redação trabalha um fim de semana e folga dois, o jornalista esportivo trabalha dois e folga um. Imagino quanto tempo não deixei de estar com a família e quanta paciência precisou ser sido gerada nessa relação."
Quase um carioca
Para relaxar, nas férias, é para o Rio de Janeiro que Jones foge. A frequência com que viaja para a cidade até faz com que amigos se refiram a ele como carioca. "Sigo muito o samba tradicional e cumpro férias em função disso. Aonde tem uma programação com samba, lá vou eu." Na capital gaúcha, ir ao cinema e ao teatro são atividades com as quais preenche os momentos de lazer. "Faço a minha diversão aos poucos, mas podia ser mais coletiva", confessa.
Os filmes europeus, especialmente os franceses e italianos, são os preferidos, mas Jones não é de fazer muitas restrições. Assiste de tudo, sempre que pode. Para ler, a preferência fica com literatura noir, francesa e americana, mas também autores como João Ubaldo Ribeiro, Rubem Fonseca e Machado de Assis. "Tem muito de Machado que ficou para trás. Em geral, só lemos os livros consagrados, mas existem peças teatrais lindas, contos? A coleção do Machado é infindável", ressalta. Nei Lopes, reconhecido como compositor de samba, é outro autor que destaca. Considera-o um dicionarista e lexicógrafo da influência das línguas africanas no português, "e intelectual de mão cheia", afirma.
Com conhecimento dos idiomas inglês e italiano, garante que ainda pretende também dominar o francês. "Não sei quando vou sair da redação, mas estou me preparando para o futuro próximo. Quero procurar ler nessas línguas, talvez possa trabalhar com agências internacionais, mas vou continuar escrevendo."
O exemplo ao lado
Para construir uma trajetória premiada, aquele que, inicialmente, tinha dificuldades para escrever também contou com a contribuição dos colegas. "Acho que o maior ganho pessoal é a gente saber ver o que acontece ao seu redor, os exemplos que estão aí", diz. A redação de ZH, acredita, herdou muito de jornalistas como Nilson Mariano, Humberto Trezzi, José Luiz Costa, Letícia Duarte. "Esses caras vão formar o DNA da redação", argumenta. Cada gesto, ele acredita, é uma oportunidade de aprender. "Acho que a gente é o que eles espalharam ao longo dos últimos anos, e acho que também espalhei um pouco. É uma pena que eu não saiba dizer o que cada um me deu de presente."
Ainda que hoje domine a técnica jornalística, Jones admite que mantém alto grau de exigência na escrita e crê que a característica é parte de sua personalidade. Assegura nunca ter se conformado com a primeira ideia, a forma fácil de apresentar uma história, explica. Dá como exemplo o livro "No último minuto", sobre o jogador Escurinho, que demandou quatro anos de dedicação. O tempo, segundo ele, era o necessário para destrinchar a história do atleta, que também era músico, e da família, assim como reconstruir o contexto de uma Porto Alegre sobre a qual encontrou poucos registros na imprensa da época. "O livro talvez seja um ponto culminante na minha história de jornalista. Não acho que seja a melhor coisa que eu pudesse ter feito, hoje faria diferente, mas ainda assim me sinto orgulhoso. É a maior reportagem que eu já fiz."
 
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