Luiz Carlos Prates: O comentarista que incomoda

Também palestrante, o comunicador diz que o importante é pensar sempre no bem das pessoas

Por Poti Silveira Campos
Luiz Carlos Prates, 68, é um frasista. Nada de frases pomposas a vazias. Muito pelo contrário: cheias de significado e, em geral, incômodas. Muito incômodas. Tão incômodas que, em novembro do ano passado, um comentário no Jornal do Almoço, da RBS TV de Santa Catarina, o transformou numa espécie de inimigo público nº 1 no país. No texto, Prates abordava o aumento da frota de veículos em razão da facilidade de crédito determinada pelo governo: "É culpa deste governo espúrio que popularizou, pelo crédito fácil, o carro para quem nunca tinha lido um livro". E acrescentou: "hoje qualquer miserável tem um carro". Na Internet, as frases causaram polêmica e conquistaram audiência significativa. No YouTube, uma das publicações do vídeo soma mais de 628 mil visualizações, 8,6 mil comentários - boa parte deles favorável ao comentarista - e 1,3 mil manifestações de "Gostei" contra um mil "Não gostei" . Para muitos, no entanto, tratava-se de preconceito de Prates contra os pobres. No dia seguinte ao controverso comentário, ele voltou à carga e justificou o discurso alegando preocupação com o endividamento de famílias pobres com a aquisição de automóveis: "escrevo e falo sobre isso há muito tempo".
Independentemente da interpretação que se faça, dois aspectos são inequívocos: o primeiro é que o profissional foi pego em meio à briga entre Record e Rede Globo. "Eles (a Record) estavam procurando tudo que pudesse constranger a Globo. Eu era da RBS, mas as manchetes da Record eram 'Comentarista da Globo odeia pobre? ", diz. A pecha pegou e, realmente, criou constrangimento. Cerca de dois meses depois, em janeiro de 2011, Prates foi demitido da RBS. "Extraoficialmente, o que se ouviu é que foi a Globo que me demitiu, não a RBS", afirma. O outro aspecto é que, com o comentário, Prates falou o que muita gente pensa - não fosse assim, as palavras teriam sido desprezadas pela audiência. "Eu odeio o politicamente correto", esclarece, quase sem necessidade. E nem poderia ser diferente: afinal, é um apaixonado pelo juízo de valor. "Isso me faz incandescente. Isso te torna perigoso. Juízo de valor te faz amado ou odiado. Felizmente, sou muito mais amado do que odiado."
O ponto forte
Prates nasceu em Santiago, mas se criou em Santa Maria. Filho único de Olímpio Moraes dos Santos, comerciante de secos e molhados, e da dona de casa Célia Prates dos Santos, chegou na adolescência a Porto Alegre para estudar no Colégio Rosário. Foi na disciplina dos padres que descobriu o próprio ponto forte, "as orelhas, que foram puxadas na escola marista". Até hoje, se diz um adepto intransigente da disciplina. Vestido com camisa verde-oliva, bottom na lapela - na tarde em que conversou com Coletiva.net, o pin era um microfone dourado -, solta mais uma frase para salientar a adesão à disciplina: "Sou um militar sem a farda".
Além da disciplina, é apaixonado também pela Psicologia - formou-se pela PUC em 1972. Outra paixão, o aproximou da Comunicação. "Eu era fã de Mendes Ribeiro (o jornalista Jorge Alberto Beck Mendes Ribeiro, 1929 - 1999). Eu queria ser o Mendes Ribeiro", relembra. Torcedor do Internacional, começou, aos 17 anos, a fazer testes para trabalhar como narrador de futebol. O primeiro emprego foi na Rádio Difusora, onde trabalhou durante três anos. Depois, mais nove anos na Rádio Guaíba e outros sete anos na Rádio Gaúcha. "Fui o mais histérico dos narradores de futebol do Rio Grande do Sul", confessa. Para ilustrar, relembra uma partida entre Grêmio e Santos, nos tempos em que Pelé ainda jogava com a camiseta do Peixe. O time gaúcho venceu por 1 X O aos 46 minutos do segundo tempo. Da cabine, Prates gritava: "Vai para casa, Pelé. Não volta mais aqui, Pelé".
Em 1981, Prates estava um tanto desgostoso da vida: "Ganhava pouco, estava sem graça". Um anúncio no Correio do Povo lhe despertou interesse. O Grupo Eldorado, de Criciúma (SC), precisava de uma secretária. Prates enviou carta, candidatando-se - não para o cargo de secretária, mas de locutor. Foi contratado com salário quatro vezes maior do que o que recebia para trabalhar na Rádio Gaúcha e no Jornal do Almoço - havia ingressado no programa em 1977. Ficou um ano e meio na empresa catarinense, até ser chamado para coordenar o esporte na RBS TV do Estado vizinho. Aí, foram mais 13 anos na RBS, outros quatro na Record e outros 12 anos na RBS. Em agosto, foi contratado como comentarista pelo SBT RS - os programas são gravados em Florianópolis (SC), onde reside. No total, são 51 anos de profissão.
Vida de palestrante
A atuação como narrador de futebol somou 25 anos. A transformação em comentarista ocorreu em Santa Catarina. Ao mesmo tempo em que começou aplicar ao futebol os conhecimentos de psicologia, Prates passou a se dedicar à atividade de palestrante - sobre outros temas. Acabou sendo convidado para trocar de editoria na RBS e foi para a Geral. "Foi uma espécie de desinteresse pelo futebol. Em Santa Catarina, é muito fraco." Maior do que o desinteresse pela modalidade esportiva, no entanto, foi o encontro com temas mais próximos da área humana. "Aí me achei. Me achei mesmo", diz o apaixonado por Psicologia.
Hoje, as palestras representam para Prates uma atividade tão importante quanto a performance diante das câmeras. A crise em razão do comentário sobre o aumento da frota de automóveis pode ter prejudicado a relação com o Grupo RBS, mas, de acordo com Prates, favoreceu a vida de palestrante. "Antes, costumávamos ter 500 pessoas na audiência. Agora, passou para mil", diz a filha Sheila, 35, que assessora o pai na promoção e na realização dos eventos. Prates não utiliza datashow - "são palestras à prova de apagão", brinca Sheila -, apenas o verbo e a empolgação que lhe são característicos. Ele se empolga mesmo: "Na Record, cheguei a quebrar uma mesa, ao vivo, durante um comentário. 'Pode bater, é vidro blindado', me disseram. Bati e voou caco para tudo quanto é lado".
Às vezes, além de bater na mesa, bate também no cliente - em sentido figurado, é claro. "Sempre visando o bem", salienta. E explica: "A palavra mais importante que um pai pode dizer ao filho é 'não'. Ele, o filho, fica p da vida, mas, lá dentro do quarto, ele pensa: eu tenho um pai". Eis, de acordo com Prates, o segredo para se fazer amado proferindo juízos de valor: visar ao bem das pessoas. Ele também garante que não ensaia as apresentações, seja na TV ou diante de uma plateia. "Não consigo ser brilhante duas vezes no mesmo assunto", brinca.
Leitura e observação
A preparação se dá, antes de tudo, por dois hábitos fundamentais a qualquer cronista ou comentarista: observação e leitura. Da observação, surgem personagens que Prates irá explorar. É o Bermudão, por exemplo. "O Bermudão é um jeito de ser. É o sujeito que arrasta os chinelos, um retardado existencial que gosta de Ultimate Fight." Ou a senhora que sentou na poltrona ao lado, durante recente viagem de Florianópolis para Porto Alegre. "Às 3h, ela pegou celular e acabou com o silêncio sepulcral que havia no ônibus". Mulheres, aliás, constituem o principal público de Prates, de acordo com Sheila. Prates, por sua vez, diz que esta foi uma lição aprendida há muito tempo com a jornalista Tânia Carvalho. "Se as mulheres te aprovarem na TV, tu vais ter vida longa (na tela). As mulheres são absolutamente vinagrosas nos comentários."
A leitura é praticamente um vício para Prates. Ele não vai ao cinema. Não vai a shows. Viaja somente por obrigação profissional. Não tem hobby. Não pratica esporte. Nada. "Não faço absolutamente nada." Prates lê - ah, e assiste à novela das 18h. Somente aquela. "O comentarista que lê e pesquisa está no jogo", diz. Cada atividade é comparada à leitura. Duas horas assistindo um filme são duas horas de leitura perdidas. Toda regra, no entanto, tem exceção. No caso, esta se chama A Princesa e o Plebeu, filme de William Wyler (1953), com Audrey Hepburn e Gregory Peck. Sabe-se lá quantas vezes Prates já chorou diante das cenas protagonizadas por um jornalista americano e uma princesa moderna. Pergunte a Prates por que gosta do filme e ele lhe contará toda a trama. Em detalhes.
Prates tem o gosto pela leitura desde cedo, mas houve um momento em que isso realmente ganhou relevância. Uma bronca de um chefe foi decisiva para tanto. "O camarada mudou minha vida." A reprimenda ocorreu no corredor da empresa: "Guri, tu és um analfabeto". Além de ser chefe, era um sujeito grande, de 1,92 metro. "Saí dali determinado a provar que não era burro", diz Prates, que se recolheu "p da vida" ao quarto naquela noite, mas dando razão ao superior.
É casado com Ieda Maria há 41 anos. O casal tem três filhos: Sheila é mais jovem, Rafael tem 37 anos e Luciana, 40. A família vive junta em uma mesma casa na capital catarinense. "Quem vai querer isso aqui como sogro", brinca Sheila referindo-se ao pai. Na residência também vivem quatro "vira-latas da melhor qualidade", guaipecas resgatados em um momento difícil da vida animal. A casa é o lugar ideal para Prates - ainda mais se estiver com um livro nas mãos, é claro. À mesa, o prato preferido é "um bem cheio". "Sou meio caminhoneiro para comer. Gosto de carreteiro, batata frita e ovos estralados". Enquanto conversava com Coletiva.net, se empolgou com três xícaras de café expresso com creme de cacau e de avelã, açúcar mascavo, noz moscada, creme de leite e cobertura de chantilly. Entre as leituras preferidas, estão artigos do investidor, industrialista e filantropo americano Warren Buffet, considerado o terceiro homem mais rico do mundo. "Sou especialista neste cara. Ele lê de cinco a oito horas por dia sobre economia", afirma. E deixa no ar uma pergunta: "Se ele, que não precisa ler, faz isso, imagina nós, que precisamos ler e não o fazemos?"
 
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