Paulo Pires: Uma vida dedicada ao rádio

Em 2024, o radialista completa 45 anos na Rede Bandeirantes e não pretende largar tão cedo a profissão

Paulo Pires - Crédito: Arquivo pessoal

A voz inconfundível. Mesmo em uma entrevista, você sente como se ele estivesse no ar, narrando uma partida de futebol, fazendo um comentário ou transmitindo uma notícia. Não foram necessários sequer segundos para que a definição de si mesmo viesse à mente: "Meu nome é rádio", declara o editor e locutor esportivo Paulo Pires. Há 45 anos, ele bate ponto diariamente na Rede Bandeirantes, em Porto Alegre, e, consolidada a carreira, no presente atua como editor do programa televisivo 'Os donos da bola' e plantão esportivo na Rádio Bandeirantes 94.9 FM.

A recente troca de endereço da sede da empresa - da Rua Delfino Riet, 183, no Bairro Santo Antônio, para o prédio 50 da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), como parte do Tecnopuc Business -, trouxe à memória do radialista muitas lembranças de uma trajetória iniciada aos 15 anos na, até então, Rádio Difusora. "Entrei como operador de som, passei pela operação de gravações, fui discotecário, programador musical, coordenador de produção, apresentador, até chegar onde estou hoje, como editor e plantão esportivo", relembra, com entusiasmo. 

Quando você descobre que ele tem apenas 60 anos, completados no último 7 de abril, que, por coincidência ou não, é comemorado o Dia do Jornalista, pensa que seu emprego na Band foi o primeiro. Ledo engano, pois em 1976, aos 12, desempenhou pela primeira vez uma função que mudaria sua vida para sempre. Na Rádio Fátima, em Vacaria, participou da primeira transmissão em rádio das eleições municipais. Plantão no estúdio, contava atentamente - na mão - os votos recebidos para vereador e prefeito.

A curiosidade de como tudo começou não para por aí. Do outro lado da linha, ao vivo do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), estava o conhecido radialista Anápio Pires. Só se deu conta depois que, chegada a hora de chamar o colega no ar, em vez de dizer 'Anápio, como estão as coisas pelo TRE?', soltou um espontâneo e carinhoso 'Pai'. "Só não virei meme porque não tinha internet", brinca Pires, o filho. Ali, despertava no guri viamonense, registrado em Porto Alegre e vacariense de coração, uma paixão avassaladora: as ondas eletromagnéticas que, por diversas frequências, faziam chegar aos mais distantes cantos do mundo sons que contavam histórias e ecoavam melodias. 

Quem sabe, quando se aposentar

Antes de chegar a Porto Alegre, Pires teve uma breve passagem, ainda, pela Rádio Sananduva, em 1979, onde o pai foi diretor. Tempo vai, tempo vem? o rádio se moderniza. Não é mais necessário, apesar de muito apreciado, um aparelho com antena e pilha. Nos smartphones, computadores e até mesmo na televisão, novos formatos foram surgindo, ele transitou pelas telas e, depois de certa resistência e um 'empurrãozinho' dos amigos, aderiu ao YouTube. 

No canal 'Plantão do Paulinho', aberto em 2020 e hoje com mais de 110 mil inscritos, iniciou apenas com informações da dupla Gre-Nal. Quanto mais fazia, mais natural a 'conversa' ficava, e passou a notar uma oportunidade de se diferenciar dos demais comentaristas esportivos do RS. "Encontrei uma área em expansão e transformei o canal em nacional. Atualmente, falo das séries A, B, C, campeonatos de outros estados, Libertadores, Brasileirão, de tudo um pouco", menciona.

A interação e a troca com torcedores de todo o País - a maioria dos inscritos é de outros estados e muitos nem sabem que Pires é gaúcho - trouxeram à tona, sem surpresa, a fatídica pergunta: Para que time você torce? "Sou torcedor do Glória de Vacaria", responde, seguindo: "Nasci gremista ou colorado, mas, neste momento, ainda prefiro não revelar". A corneta está liberada, dentro dos limites do respeito, claro. Quando se aposentar, quem sabe, deixe que o público descubra mais esse pedacinho de sua história. 

A aposentadoria, aliás, é outro assunto delicado, digamos assim. Com 48 anos de currículo, reconhece que a vitalidade dos dias em que dividia o microfone com o pai não existe mais, mas o vício em jornalismo esportivo segue o segurando na profissão que o escolheu. Daqui a 5, 10 anos? a decisão ainda não está tomada. No entanto, o próximo capítulo já tem nome: dedicação integral à família. "Quando eu parar, vou parar de verdade. Descansar e curtir eles, que sempre me apoiaram e entenderam minhas ausências: minha esposa Neca, meus filhos Diego e Tatiane, e meu neto, meu xodó, o Pietro", ressalta.

O ritmo do amor

Paralelo ao trabalho na Band, as noites eram dedicadas ao precursor do DJ, o famoso discotecário. Colocar discos de vinil pra rodar e a galera pra dançar em uma festa era outra atividade que movimentava a vida de Pires na juventude. Numa dessas, em 1982, conheceu uma guria chamada Margarete. Os olhares se cruzaram e dois anos depois estavam casados, e quase 40 anos mais tarde, seguem unidos no ritmo do amor. 

Ela é parceira pra tudo, descreve o marido orgulhoso, mas se tem uma coisa que nem Margarete, a Neca, aguenta mais é o filme preferido do radialista: 'De volta para o futuro'. "Já vi mil vezes, adoro!", confessa. Além do cinema e da música, para a qual se considera eclético, do clássico ao sertanejo raiz, também gosta de aproveitar a companhia da amada para caminhadas. De esporte, sua especialidade mesmo é falar sobre. Conhecedor das modalidades, regras, clubes, jogadores, negociações, admite que, na prática, foi somente atleta de final de semana. Mais novo, não recusava um jogo com os amigos e, na escola, chegou a se arriscar na equipe de basquete. 

O universo que o rodeia também está na literatura. Em se tratando de esporte, consome muito. Notícias, almanaques, biografias. Entre as mais interessantes, destaca Pelé, Rivelino e Maradona. Dessas e de sua própria jornada, guarda lições que considera importante compartilhar com a próxima geração de profissionais do ramo. "É primordial ser perseverante, não desistir. Reveses acontecem, fazem parte", pontua, complementando: "Precisamos calar as vozes que dizem que não servimos, que não somos capazes, e acreditar em nós mesmos, mas sem deixar de ouvir os sábios", defende.

Pires, eu

Não é preciso muita intimidade para saber quem é sua grande referência. Fonte inspiradora, espelho, professor são alguns dos adjetivos e características usados por ele para descrever o pai, Anápio. O talento e a vocação para o rádio também passaram para o filho mais novo de dona Ana Maria e seu Pires, Oberdã, apresentador na Rádio Pampa. Este herdou com mais ênfase, também, uma predileção pelo tradicionalismo gaúcho, temática que lançou Anápio na Comunicação.

Se pudesse, assim como Marty McFly, personagem icônico de seu longa favorito, voltar no tempo, voltaria. Não que a vida não tenha lhe presenteado com incríveis pessoas e momentos, mas nove anos não foram suficientes tendo o melhor amigo como colega de profissão. Sob outra perspectiva, a comparação com o pai, que morreu em 1985, foi um peso que carregou por um longo tempo. Encarando os obstáculos como aprendera com o mestre desde a infância, conseguiu superar, construir sua própria carreira e mostrar que ele era um Pires inteiro, independentemente de Anápio. 

Em 2007, uma experiência nos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro virou a chave na cabeça do radialista e lhe permitiu um salto marcante e inesquecível na carreira. Bernardinho era técnico da seleção brasileira masculina de vôlei e acabou brigando com Ricardinho, levantador, capitão e estrela do time. No lugar do jogador, convocou Bruninho. Foi muito criticado pela imprensa, por outros atletas e pela população em geral. Afinal, o rapaz não era um mero atleta, era filho do treinador. 

"Quando Bruninho entrou na quadra, provou que não era apenas um herdeiro, mas um baita jogador, que fez muita diferença para a seleção", discorre. O convite para representar a Band em uma das competições mais importantes do calendário esportivo mundial lhe deu a confiança que faltava para, enfim, entender seu potencial. "Essa situação me lembrou do que vivi com meu pai e fiquei em paz. Tenho certeza que, se ele estivesse vivo, estaria muito feliz com a trajetória que eu e meu irmão trilhamos. Ele acreditaria que cumpriu sua missão e sou grato por isso", frisa. 

Na escola da vida

O trabalho cedo não interferiu nos estudos. Pelo contrário, o incentivo para manter os cadernos em ordem e o cérebro abastecido de conhecimento sempre estiveram presentes na família Pires. O sonho de criança, por mais raro que soe, era ser motorista de táxi. Ao concluir o Ensino Médio, sentiu vontade de ser arquiteto. Para testar antes de se agarrar às exigências do Ensino Superior, resolveu fazer um curso técnico de Desenho Arquitetônico. Na prática, não sentiu tanta euforia e resolveu, desse modo, que seguiria o caminho da Engenharia Eletrônica. Também não era pra ser.

Indeciso, porém enérgico - outro atributo que retrata bem Paulinho -, não queria ficar parado. Perguntou ao pai, então, como ele definiria o Jornalismo. Uma única palavra foi suficiente para colocá-lo de volta ao eixo de sua aptidão originária: verdade. Com o dia a dia em andamento, foram os próprios veículos, colegas, chefes, responsabilidades, novidades e tarefas da profissão que deram a ele o título de jornalista. "No fim das contas, não fui pra faculdade nenhuma. Sou radialista e reconhecido, com honra, como jornalista pela minha bagagem", observa. 

Perfeccionista, dedicou-se a aprender com a realidade. Praticar jornalismo sério, verdadeiro, imparcial, confiável não foi uma empreitada fácil, mas garante que valeu, e segue valendo a pena. Os frutos expressam por si só. Há algumas semanas, durante o processo de mudança da Band, o programa 'Os donos da bola' foi dedicado a Paulinho, em comemoração e agradecimento por seu esforço há mais de quatro décadas. Os comentários nas redes sociais corroboram o sentimento dos muitos colegas que passaram e dos que continuam na lida com ele. Ídolo. Gênio. Mestre. E assim segue empolgado com os desafios desse amor chamado jornalismo esportivo.

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