A fala homofóbica que serve de afago para o seu preconceito

Por Luan Pires, para Coletiva.net

Luan Pires - Arquivo pessoal

Hoje, eu não vou trazer dados. Não vou defender o óbvio que inúmeras pesquisas já validaram no decorrer do tempo: diversidade é produtiva, faz bem para a sociedade, para os negócios e para a capacidade de empatia e senso de comunidade das pessoas. Também não vou relembrar para quem não quer ouvir a diferença entre equidade e igualdade: não podemos oferecer as mesmas condições para quem teve menos acesso às oportunidades. Esse é um cálculo simples que o histórico bairrismo gaúcho transforma em mais complicado do que é. 

Então, hoje, vou falar principalmente com você que riu de uma fala nojenta, apelativa e desesperada que dizia que se um candidato ao nosso governo ganhasse a eleição, teríamos uma primeira dama "de verdade". Não vou focar em aspectos políticos aqui, mas sim como a Comunicação pode manipular a crença de que preconceitos podem ser vistos como banalidade e até simpatia. Candidatos que usam em sua comunicação frases prontas tem um único objetivo: dar voz aos preconceitos escondidos dentro de grande parcela da população gaúcha. Porque existiu o fenômeno do "voto envergonhado"? Aquele onde certo candidato à presidência obteve mais votos do que o esperado? Não foi porque os institutos de pesquisa erraram, foi porque as pessoas ou tinham vergonha de quem iriam votar ou porque tinham medo de sair da zona confortável e privilegiada que se encontravam.

Eu sou um profissional de Comunicação LGBT+. Ainda que branco e com uma estrutura que me formou mais heteronormativo do que eu deveria ser - talvez por necessidade de entrar em um mercado preconceituoso e desinformado. Mesmo assim, nunca foi fácil. Me assumi na faculdade com medo de ser taxado como pervertido, sujo e indigno para trabalhar com Comunicação. Atuei em pequenas, médias e grandes agências, assumindo aos poucos meu grupo identitário, desviando de falas problemáticas porque, veja bem "era um aprendizado pra todos eles". Isso que vou contar se acumulou em situações de dez anos de história profissional. Já ouvi um colega falar abertamente da minha vida sexual para todo mundo sem ter a menor intimidade comigo, unicamente porque sabia que eu era gay (como se isso definisse toda a complexidade do meu ser). Já ouvi frases como "teve um momento voltado pra falar da diversidade, só a galera animada, divertida, trazendo vários insights", como se todo gay fosse animado e divertido. Quem me conhece sabe, por exemplo, que sou chato pra caramba. Já vi gente sem lugar de fala, às vezes até na boa intenção, tentar explicar o que é diversidade - para pessoas LGBTs. Já ouvi diretor dizer que não tem preconceito, inclusive tinha um funcionário gay trabalhando ali (como se eu fosse moeda de troca para tornar a imagem de um lugar mais moderna).

Esses são momentos espaçados e até pequenos considerando outras histórias por aí na minha longa trajetória de comunicação. Não tiveram só momentos negativos, claro. Tive figuras não perfeitas, mas abertas a entender, a estudar e a melhorar. Mas não acho justo o mínimo ser exaltado enquanto o preconceito é escondido por isso. Do mesmo modo não acho justo que pessoas ao meu redor, que me amam, que acompanham minha luta, que tem acesso à informação, se deixem influenciar por discursos comunicacionais rasos, burros e que têm o único motivo de fazer você se sentir confortável com o preconceito dentro de você. Eu vivi a minha trajetória profissional aprendendo a conviver sem ser violado, o mínimo é o outro aprender a não violar. 

Não adianta vir com aquele discurso de que "eu escolho esse candidato por outros motivos". Os seres humanos não são pedaços de frango que a gente separa só a parte que gosta e ignora as outras. Se eles têm um discurso preconceituoso, isso direta ou indiretamente estará presente em tudo que ele faz. Eu clamo: profissionais da comunicação, esse é o momento de usar a nossa voz e toda a teoria do poder do agendamento, do ruído comunicacional e da representatividade para ofuscar esses discursos feitos por adultos com sérios problemas de aceitação, falta de ética e mau-caratismo. Mostrar que falar da sexualidade alheia não é brincadeira, não é algo a ser ignorado e que é uma maneira de manipulação para muitos terem afagados seus preconceitos latentes.

Se você precisa de um fala misógina, racista, preconceituosa, para se sentir melhor consigo mesmo, você nunca vai conseguir. Porque o mal que você causa nas outras pessoas é apenas um buraco que você cava mais fundo em você mesmo. Bater de frente com falas problemáticas sem ter medo de ser taxado disso ou daquilo, buscar aprender e defender quem está nessa luta desde a criação vai fazer você se sentir parte de uma comunidade que não quer ódio, mas quer respeito. Nós, minorias, não queremos ser tolerados. Eu não preciso ser tolerado. Eu quero respeito, do mesmo jeito que você quer pros seus filhos, familiares e pessoas que ama, independente de quem eles são ou de quem, eventualmente, eles vão se interessar romanticamente ou sexualmente.

A Comunicação é poderosa para fazer dar eco a esses discursos simplistas e baixos. Não só nós, profissionais de comunicação, precisamos deixar a neutralidade de lado e mostrar que crime é crime e preconceito é preconceito, mas todos que têm o poder da comunicação por meio de grupos de WhatsApp, reuniões, trocas com amigos precisam agir e falar o que é certo, custe a quem custar. 

"O caminho pode ser melhor para todos. Tem espaço para todo mundo". Não é o que você diria pras pessoas que você ama? Então, espalhe essa mensagem para o mundo que você diz respeitar.

 

Luan Pires é jornalista e executivo de Planejamento Estratégico e Comportamento.

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