A hiperinflação da economia da experiência

De Giovani Bonin-Barbieri (Gigio), para o Coletiva.net

Gigio é co-fundador e diretor de Experiência da Gana&Voga - Crédito: Arquivo Pessoal

Nos últimos anos, a palavra "experiência" virou moeda corrente e, como toda moeda inflacionada, perdeu valor. Cafés prometem experiências sensoriais. Eventos, experiências imersivas. Tudo é experiência. Ou melhor: tudo precisa parecer experiência.

O que antes era uma dimensão subjetiva, marcada pelo inesperado, pela presença e pelo afeto, tornou-se uma estratégia publicitária e um adjetivo engajável. A economia da experiência, formalizada por Pine & Gilmore no final dos anos 1990, nos ensinou a transformar produtos em momentos e marcas em palcos. O café deixou de ser cafeína para virar storytelling. O varejo virou espetáculo. O design, um operador de encantamento.

Mas ao buscar diferenciação pela experiência, o mercado padronizou e a experiência virou instagramável. A estética da imersão virou template. Simulamos o extraordinário como um fundo de LED simula a paisagem. Criamos experiências para serem postadas, não vividas. Um backdrop colorido, uma frase inspiracional, uma playlist curada para parecer espontânea. Jean Baudrillard já nos havia alertado: entramos na era do simulacro onde a representação não remete a nenhum real, mas apenas a outras representações. A "experiência", hoje, é imagem de experiência. Um gesto que não toca.

A hiperinflação do conceito experiência gerou uma consequência previsível: a comoditização da experiência. Estética pela estética, ativações genéricas, cenários foto-oportunos e o imersivo tomaram o lugar da presença real. A experiência deixou de ser vivida e passou a ser encenada. Um espetáculo que alimenta o algoritmo, mas não nutre o vínculo.

Isto porque experiência não se fabrica. Por definição, ela escapa. Ela é instável, subjetiva, situada. A mesma música pode emocionar um e ferir outro. O mesmo cheiro de infância pode evocar nostalgia ou bullying. Como nos lembra Merleau-Ponty, experiência é corpo no mundo: sensível, histórico, afetado. E o mundo, por sua vez, não é um palco neutro, mas um campo relacional. É o entre.

Por isso na Gana&Voga falamos em Design Experiencial, ao invés de falar em experiência.

A questão é mais profunda do que um mal-entendido semântico. Trata-se de um deslocamento ontológico: da presença para a performance. Do vivido para o encenado. Da autenticidade como valor para a autenticidade como estética. Vivemos uma inflação sensorial que confunde impacto com significado. Como se projetar uma "experiência instagramável" fosse suficiente para produzir sentido. Como se um banho de estímulo pudesse compensar a ausência de vínculo.

O design experiencial, e aqui não falo de uma "nova tendência", mas de uma ética projetual, surge como contraponto a essa lógica encenada. Ele não promete entregar experiências ideais, mas criar condições de possibilidade para que algo aconteça. Ele se afasta da orquestração e se aproxima da escuta. Menos controle, mais contexto. Menos espetáculo, mais atmosfera.

Projetar atmosferas, como diria Gernot Böhme, é lidar com o sensível de forma relacional. É desenhar para os sentidos e para os sentidos que os sentidos evocam. Tato, som, cheiro, luz, sombra, temperatura. É devolver corporeidade ao espaço. Marcas que realmente se conectam com as pessoas não são aquelas que se esforçam para parecer grandes, mas sim as que se tornam parte natural da paisagem emocional do público. Elas se inscrevem na memória porque se alinham ao tempo, ao espaço e ao ritmo de quem as vivencia. Ser lembrado, hoje, talvez dependa menos de brilhar e mais de tocar.

Essa vivência exige mais do que estética. Exige ritmo, recorrência, estrutura simbólica. Em O Desaparecimento dos Rituais, Byung-Chul Han argumenta que vivemos uma crise de sentido provocada pela perda dos rituais que organizavam o tempo e o pertencimento. Sem rituais, o tempo se fragmenta. O que antes tinha começo, meio e fim, hoje se apresenta como um fluxo ininterrupto de estímulos. Nada se sedimenta. Tudo escorre. Rituais são formas simbólicas que transformam o cotidiano em linguagem. São repetições com sentido. E é isso que o design experiencial busca oferecer: não eventos isolados, mas gestos recorrentes. Não ativações pontuais, mas ritmos compartilhados. Rituais transformam interações em cultura, transformam espaço em memória, transformam presença em vínculo.

Nesse vínculo, emerge a possibilidade de comunidade. Porque nenhuma comunidade nasce de um evento isolado. O pertencimento se constrói na repetição com propósito. Um espaço simbólico onde se pode voltar, reconhecer, habitar. A comunidade é o resultado de experiências recorrentes ancoradas em valores comuns. Quando uma marca se compromete com esse tipo de presença, ela deixa de ser fornecedora de estímulos e se torna guardiã de um ecossistema afetivo. Cria encontros contínuos, estabelece rituais, constrói linguagem. E o mais importante: cria lugar. Lugar simbólico, lugar emocional, lugar coletivo.

Enquanto o mercado continua perguntando "como criar experiências impactantes?", o design experiencial propõe uma pergunta mais profunda: como cultivar uma relação significativa entre marcas, espaços e tempo? Porque o valor não está em criar a experiência, mas em sustentar um sentir que dure além do momento. E esse sentir não nasce de um cenário instagramável iluminado por LED. Ele nasce da experiência vivida com densidade, com corpo, com significado e com os outros.

Talvez este seja o momento de revalorizar a palavra "experiência". De tirá-la do ciclo especulativo da estética vazia e devolvê-la à sua função mais antiga: a de dar forma ao vivido. Porque enquanto a experiência seguir sendo tratada como commodity, continuará perdendo valor. Só quando deixarmos de tentar produzi-la como moeda de troca e passarmos a cultivá-la como vínculo, como gesto, como ritmo, é que ela voltará a valer alguma coisa.

O design experiencial não vem inflar ainda mais esse mercado simbólico saturado. Ele surge, justamente, como um lastro de valor real. Uma tentativa de reconectar presença e projeto, corpo e espaço, tempo e significado. Um modo de lembrar que experiência não é produto, é relação. E talvez seja essa a nova riqueza: não aquela que se mede em cliques, mas a que se percebe em silêncio.

Giovani Bonin-Barbieri (Gigio) é co-fundador e diretor de Experiência da Gana&Voga. Trata-se de um estúdio de Design Experiencial e escritório de produção focado na criação de experiências de marca, festivais e entretenimento ao vivo.

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