Ainda tem química

Por Márcia Christofoli, para Coletiva.net

Eu cresci filha de pais que nunca tiveram dificuldades em se relacionar com muita gente, que me deram acesso a livros desde muito jovem e que sempre souberam se expressar bem, na fala ou na escrita. Eu cresci neta de jornalista formado pela vida, que amava "a latinha", que me pegava pela mão e andava corredores adentro de um veículo de Comunicação (nunca soube se ele queria exibir a neta aos colegas, ou aquele mundo à neta - pouco importa). "O que você quer ser quando crescer?". Ora, ora?

Nunca fui o que se pode chamar de criança estudiosa, é verdade, mas também não tive dificuldades colegiais, tampouco acadêmicas. Estar na faculdade de Jornalismo era um sonho se realizando, mas não daqueles que nos deixam eufóricos, emocionados e excitados o tempo todo. Para mim, era parte de um processo natural, que eu sempre soube que chegaria e, por isso, queria aproveitar ao máximo. E assim foi.

Ao trabalhar num lugar que é considerado "a comunicação da comunicação", pude (e ainda posso) conhecer realidades diversas e igualmente incríveis do Jornalismo. E também posso, claro, confirmar o que sempre senti pela área: é preciso amar muito. Esse sentimento precisa ser revisitado vez ou outra, pois os obstáculos, as dúvidas, a descrença, tudo isso chega. Por isso, é necessário que a gente lembre o que faz o nosso coração bater, o que dá sangue no olho e faca nos dentes.

Quando o Jornalismo chega em forma de veículo, com a missão de reportar à vida à sociedade e ao que a ela (e tão somente a ela) interessa, tem perrengue, sim, e quase nunca são chiques. Tem quem sobreviva à base de cafeína, quem ama gastar sola de sapato, quem não perde a oportunidade de uma entrevista, quem se desconforta com o que está errado, quem bate de frente com fontes em busca da verdade. Tem quem não se acomode até que consiga umas aspas, quem vai até o capeta para ter um telefone, quem sente cheiro de pauta em detalhes.

Quando o Jornalismo chega em forma de assessoria de imprensa, tem dedicação extrema, sim, e não menos jornalística. Tem reuniões intermináveis e frequentes, tem produção de textos no tom exato, tem criatividade para identificar o que pode ser pauta, tem atualização de mailing constante e tem relacionamento. Aliás, tem muito relacionamento. Ah, se todo repórter tivesse a oportunidade de ser assessor de imprensa - e se todo assessor de imprensa tivesse a oportunidade de ser repórter!

Quando o Jornalismo chega em forma de docência, de compartilhar, de ensinar o que se sabe aos próximos jornalistas, tem uma missão linda que nasce. Têm noites viradas para preparar aula, tem sede por novos conhecimentos, tem doses cavalares de paciência, tem cabelos arrancados e mais brancos por preocupações com esse ou aquele aluno. Na arte de conduzir novos profissionais, tem horas e horas e mais horas de entrega - de cérebro, de corpo e, principalmente, de alma!

Poderia citar tantas e tantas outras formas de como o Jornalismo aparece na vida de muitos dos meus colegas, afinal, se tem algo que a Comunicação faz por nós é nunca se manter igual. E que bom! Oportunidades surgem o tempo todo, novas áreas, desafios, opções. Já se foi (e faz bastante tempo, aliás) a época em que as faculdades (sejam as formais ou as da vida, como no caso do meu avô) preparavam jornalistas para trabalhar em jornal, rádio ou televisão. O mundo é novo! Os perrengues, as reclamações, o tanto que há de ruim e errado na nossa profissão, isso não é novo, eu sei.

Conheço muitos que se decepcionaram, mudaram de área - antes ou depois do diploma. E tudo bem. Vocês seguem tendo meu respeito e até admiração pela coragem de largar essa maldita cachaça. Por outro lado, conheço quem nunca desistiu e também quem ama arduamente. Tem duas situações, porém, que ganharam meu coração mais recentemente. Uma delas é de quem, depois de alguns anos longe do Jornalismo, voltou. E esse retorno veio carregado do bom e velho sangue no olho, aquela alma de repórter. A outra é de quem eu conheci ainda criança e descobri que começará a faculdade de Jornalismo em breve, cheia de entusiasmo e sonhos. Quer saber? Ainda tem química, porra!

Feliz Dia do Jornalista, colegas!

Márcia Christofoli é publisher de Coletiva.net, diretora de Conteúdo da Coletiva.rádio e coordenadora-geral da revista Tendências.

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