Comunista ou fascista? Não, jornalista!

Por Orestes de Andrade Jr., para Coletiva.net

Orestes de Andrade Jr. - Félix Zucco

O Jornalismo sectário e tendencioso chegou para ficar nos grandes veículos de Comunicação do País, com raríssimas exceções. A parcialidade escancarada não está mais restrita a pequenos jornais e rádios do interior, onde em geral os "coronéis" escolhem quem fala e quem não fala e são os donos da verdade. 

Quase todos os jornalistas brasileiros passaram a defender um lado e a condenar o outro - não em editoriais ou espaços de opinião, mas sim no noticiário do dia a dia. Isso está escancarado. Mesmo quem não admite, pratica todos os dias o favorecimento a um e desqualificação do outro. A autodefesa desses "jornalistas" é que eles usam o "seu espaço" para fazer contraponto aos outros (seus adversários). Bobagem! O confronto de ideias opostas deve ser sempre oferecido no mesmo espaço jornalístico. O resto é militância disfarçada de conteúdo. Chata e pobre. Que conversa só com quem pensa igual. Quando fui presidente da Fundação Piratini, em 2017/2018, no Governo Sartori, promovi uma profunda mudança na programação da TVE e da FM Cultura. A orientação dada à equipe foi clara: fazer Jornalismo nu e cru, ou seja, ouvindo ao menos os dois lados de qualquer assunto. O normal, todos sabem, era cada governo usar as duas emissoras para disseminar suas visões políticas. As administrações do PT foram especialmente pródigas nessa prática, inclusive fazendo concursos para colocar a "companheirada" nas duas emissoras. Corolário disso, a maioria dos funcionários vivia em guerra ideológica com seus chefes para fazer prevalecer a visão de esquerda nas pautas dos programas. Ninguém queria ouvir o outro lado, só importava a versão deles. O resultado era evidente: traço de audiência e reputação baixa.

A nossa "revolução" incomodou e surpreendeu muita gente. No auge das extinções das fundações públicas, inclusive da própria Fundação Piratini, começamos a fazer debates com representantes contrários e favoráveis às medidas propostas pelo governo. Imagina como foi... O 'Debate TVE' era um programa diário (segunda a sexta), de uma hora de duração à noite, ao estilo do famoso 'Conversas Cruzadas', da TVCOM. Em ambos, o formato era colocar um tema para discussão entre dois ou mais convidados com visões extremamente opostas. [Olha que ousado! Brincadeira, é o básico do básico.] Este modelo fazia com que, todos os dias, alguém da oposição à gestão da época estivesse nos estúdios da TVE. Ninguém entendeu nada. Nem o governo nem a oposição. Mas não era nada demais. Era só Jornalismo raiz, plural. Corta pra hoje: seria uma ousadia insana!

Atualmente, a regra é cada veículo de comunicação propagar apenas um lado dos fatos, aquele que eles defendem. Todos os dias, em rádios e TVs consagradas, em jornais impressos e, sobretudo, na internet, há jornalistas olhando para um lado só das coisas. Pior do que isso: em hipótese alguma dão espaço para o contraponto - uma prática primordial do Jornalismo. Formam mesas redondas com debatedores que pensam de maneira igual. Escrevem textos sem ouvir o outro lado. São verdadeiros manifestos políticos, repletos de opinião, quase nada de informação, que se transformam em panfletos, nada mais do que isso. Mesmo os "isentos" não escondem mais a parcialidade. Há poucas exceções.

Essa confusão de papéis não é uma jabuticaba brasileira. É algo presente no mundo todo. É fruto da bipolarização, que incentiva o pensamento radical nos polos, à esquerda e à direita. Quem fica no centro, pendendo para um lado e outro, tentando compreender que o mundo não é bifásico, é condenado à Antártida da opinião pública. Para "bombar" na "aldeia global" definida por McLuhan, é preciso defender apaixonada e cegamente um só ponto de vista e atacar os contrários a ele. Não há espaço para nuances, para o cinza, é só preto ou branco. Simplesmente não há ambiente para ponderação. É 8 ou 80 na veia!

O fato é que a mídia está cheia de guetos que propagandeiam - na verdade, tentam impor - a sua visão de mundo sobre os demais. Sim, como nas piores ditaduras, de esquerda e direita. Não há troca nem debate. Há um diálogo de surdos e seguidores de uma ideia só. Todos aplaudindo suas próprias palavras. É uma pantomima sórdida. A primeira consequência é a absoluta improdutividade dessa estratégia, que não serve a nada além de espalhar uma visão de mundo a quem já é convertido. A segunda é produção de conteúdo medíocre, monótono e maçante. O efeito previsível é a perda de relevância e audiência. A crise do Jornalismo está aí - na indigência programática.

Estar em um veículo de Comunicação e não ouvir os dois lados (no mínimo!) é uma traição ao Jornalismo. Quem faz isso, é um ditador da palavra. Mas os talibãs do microfone fazem isso todos os dias. Muitos não aceitam nem quem pensa parecido à sua ideologia. A exigência é nada menos do que fidelidade (ou seria miopia?) canina. Esta postura abjeta é o novo normal. Está presente nas grandes redes de televisão e rádio do país, que abandonaram o equilíbrio e a isenção. Sem vergonha alguma. Se antes era uma minoria, hoje a maioria dos jornalistas estão presos no que os psicólogos chamam de "viés da confirmação". Enxergam apenas o que querem ver e acreditam piamente nisso.

De novo, um exemplo pessoal: é claro que, como gestor, eu tinha lado e era a favor da extinção das fundações estaduais. Porém, na condição de presidente da TVE, minha responsabilidade de jornalista era colocar visões antagônicas sobre este e outros assuntos, deixando que o público chegasse a suas próprias conclusões. Isso é o trivial do Jornalismo. Na defesa interna para quem não admitia ver o adversário político "em nossos espaços" - que, na realidade, eram e são de todos, públicos -, eu dizia que se os nossos argumentos eram melhores, isso ficaria claro em um debate limpo com quem era contra. Vale dizer que, apesar das pressões, sempre tive respaldo político do governador Sartori e do secretário Cléber Benvegnú para fazer o que tinha de ser feito. 

McLuhan disse que "o meio é a mensagem". Não mais. Hoje, a mensagem é a própria mensagem, uma única mensagem, replicada em todos os meios. Se o outro pensa diferente, é inimigo. E não merece ser ouvido, tem de ser calado. Não é só o STF (Supremo Tribunal Federal) que faz isso. Muitos colegas censuram diariamente as posições divergentes das suas, num ciclo contínuo de censura (velada ou aberta) que cada vez mais está entre nós. Neste exato instante, conforme sua matiz ideológica, muitos estão me xingando de "comunista" ou "fascista"! Não, meus caros, sou apenas jornalista, do tipo que ainda enxerga vários lados.

Orestes de Andrade Jr. é jornalista, foi presidente da Fundação Piratini, diretor-geral da Secretaria de Comunicação do governo do Estado e secretário de Comunicação da Prefeitura de Porto Alegre.

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