Coragens criativas

Por Mariana Bertolucci, para Coletiva.net

Mariana Bertolucci - Crédito: Carin Mandelli

Mesmo com eclipse superpower total do sol e mercúrio retrógrado em Áries, abril já vem encostando mais sereno por aqui nos meus pagos. É só dia 8, ops 9, quase 12... é que me arrasto por aqui há três dias. Espiando os perfis de quem entende dos trânsitos planetários, vi que o momento pede recolhimento, sugere prudência e resguardo. Nada de novos projetos, investimentos voluptuosos, decisões definitivas ou assinatura de contratos. Pelo menos até o dia 25.    

A minha ideia era ter terminado de escrever esse texto que comecei no domingo, no Dia do Jornalista, comemorado em 7 de abril. Viver da escrita e das histórias alheias é tão sedutor como aflitivo. A gente entra e sai (ou não sai jamais...) da vida e de momentos marcantes de muita gente, em muitos casos até da história.   

Fatos e situações me tocam (sempre) e poderiam ter me feito sentar e escrever nos últimos três meses. O verão que é sempre tão livre, excitante e inspirador, o Dia da Mulher, O colorido, surreal e constrangedoramente metafórico mundo admirável de Bella Baxter e sua coleção sem fim de pobres criaturas, o aniversário de Porto Alegre... Até a procrastinação, tema e dilema sempre tão recorrente. Aqui em casa as águas de março não foram mansas. Amigas e amigos queridos brindando mais um ano de vida ou se despedindo dolorosamente dos seus primeiros e grandes amores, os pais. Muito trabalho, pilas curtos, zero viagens à vista, projetos e cabelos novos. Decidida, antes de passar a tesoura, comentei com um amigo no whatsapp e ele imediatamente reagiu: "Ah não, não corta!" Devolvi e (pensei): "(Grrrrrr, agora que) Eu vou cortar sim. Cansei de ser igual. Só mudei três vezes na vida." Ele, que também não é de se entregar, insistiu: "Faz um coquinho". Como adoro rir, foi bem melhor que responder. 

Noutro grupo, uma amiga também escreveu: "Ah, bem que tu faz, chega uma idade a gente tem que cortar o cabelo de tanto calor." Eu quase voei na jugular dela, mesmo sabendo que era mais uma força de expressão e deixei claro de uma vez por todas: "Não é idade. Vou cortar o cabelo porque preciso de coragem em 2024 e quero treinar". Era isso. Quero treinar a minha coragem para encarar esse e os outros anos que avançam cada vez mais velozes e furiosos na cara da gente. E quem só teve coragem duas vezes na vida (agora 3) de trocar o comprimento do cabelo, precisa de algum treino, não concordam? Tenho medo de altura, não sou adepta aos esportes radicais, preciso ser criativa nas minhas coragens. Se março foi quente e acachapante, no segundo dia do até então pacato abril, já tomei um buleo voltando do Prêmio Açorianos de mãos vazias. Siiiimmmm eu que ando quase só de tênis e rasteirinhas, apareci de salto alto e abanando o ego na premiação e por algumas horas até esqueci que o importante é competir e ser finalista já é um baita prêmio e blá blá blá. Verdade. Mas todo mundo quer ganhar, né? E assim é, como muita coisa na vida da gente. Todo mundo sente, pouca gente pensa e quase ninguém tem coragem de falar. Quer ver? Ser traída é ruim em qualquer circunstância. Levar um fora não fica atrás, mandar mensagem e ficar no vácuo também irrita bastante. Tudo passa. Eu acordo muitas vezes desanimada, mas gosto bastante da minha vida, embora eu não seja nem tão empoderada, nem tão bonita e nem tão feliz como (a)pareço no Instagram. Me questiono se sou uma boa mãe. Você, eu não sei, mas ando olhando mais o celular do que lendo. E os nossos filhos também, isso é certo. Aliás, o suicídio foi a quarta causa de morte entre jovens brasileiros entre 15 e 29 anos em 2019, segundo a OMS. A pandemia piorou esses números. Se nos falta estrutura para seguirmos saudáveis no ambiente hostil que é o mundo digital, imagina para quem ainda não formou a personalidade. A nossa liberdade termina quando invade a do outro. Isso não é censura, é mais velho que andar para frente e todo mundo aprende desde criancinha. Fui clara ou vou ter que cortar o cabelo de novo?    

Mariana Bertolucci é jornalista, escritora e fundadora da revista Bá ([email protected])

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