É melhor mesmo ligar pro Saul

Por Marina Mentz, para Coletiva.net

Créditos: Reprodução/ Facebook

Talvez este texto divida opiniões daqueles que admiram o universo Breaking Bad. Mas tudo bem, este é um texto e opinião de alguém que assiste a filmes e séries, e forma sua própria. Com a nova (sexta e última) temporada chegando ao streaming, Better Call Saul emite, definitivamente, a sua densidade, alta produção e carisma. A série, que é uma pré-sequência, mostra o caminho percorrido pelo advogado Jimmy McGill até se tornar o tão trambiqueiro Saul. 

O spin-off da outra premiada, também criada por Vince Gilligan e Peter Gould, mergulha na trajetória de Jimmy/Saul e dá profundidade a personagens importantes que acabaram não tendo a complexidade que mereciam em Breaking Bad. A exemplo de Mike Ehrmantraut e a família Salamanca, que aqui é distendida com detalhes fundamentais para a narrativa, o aprofundamento foi fundamental. A lógica de evolução de negócio de Gustavo Fring, dos Pollos Hermanos, ganha ainda mais sentido quando conhecemos tudo o que veio antes do bem-amarrado business praticado por ele em Breaking Bad. 

Bob Odenkirk, que dá vida a Jimmy/Saul, é majestoso na interpretação. Passamos a ter empatia com a personagem por sua trajetória de vida e seu compromisso com o irmão Chuck, que é cara nova na franquia. Chuck é um bem sucedido advogado, a quem Jimmy/Saul admira, que precisa se afastar de seu elegante escritório pois desenvolveu uma "condição de saúde" descrita como hipersensitividade eletromagnética. O perfil dele contrasta com a positividade e irredutibilidade que já conhecíamos de Saul, e isso gera controvérsia entre os fãs - que dificilmente simpatizam com Chuck.

A verdade é que, entre os grandes ganhos da franquia com Better Call Saul, está o desenvolvimento das histórias de personagens complexos. Ignácio Varga é um deles. Interpretado pelo impecável Michael Mando, Nacho é um criminoso comprometido, leal e inteligente e foge do básico visto nas produções ficcionais sobre o tema. Kim Wexler, uma advogada em ascensão na carreira e com relação pessoal com Jimmy/Saul, soma à narrativa.

Agora, em um parágrafo à parte, temos Eduardo Salamanca, herdeiro fundamental do império dos Salamanca. Ele é feito por Tony Dalton, que não lembra em nada sua interpretação na novela mexicana Rebelde, embora em ambos faça vilões. Lalo é o Salamanca mais louco que já conhecemos - é claro que eu digo isso mesmo lembrando de Tuco Salamanca, que, aliás, também aparece em Better Call Saul. A questão é que Lalo tem a frieza para a violência de Tuco, mas com a simpatia e sedução que em qualquer outro universo não o cairia bem. Mas a ele, cabe perfeitamente. E, além disso, tem inteligência para arquitetar seus passos.

Os Salamanca em Albuquerque de Breaking Bad já soam quase derrotados, quando em Better Call Saul estão em seu auge. É neste spin-off, por exemplo, que entendemos quem é Hector Salamanca, e como ele chegou até seu estado de saúde já conhecido do público. Os gêmeos Leonel e Marco Salamanca, sobrinhos de Héctor, também estão na pré-sequência já como assassinos do Cartel de Juárez. A série tem também personagens menos importantes que, sutilmente, entrelaçam os acontecimentos, como Crazy-8, Gonzo, Lawson, que é vendedor de armas, e Ken, aquele corretor de investimentos que teria sua BMW incendiada por Walter White alguns anos depois.

O fato é que, opiniões e opiniões, a minha é que além do cuidado para uma produção redonda de imagens, elementos de cena e narrativa que já se afirmavam em Breaking Bad, Better Call Saul vai além, fazendo com que esta seja ainda melhor que a primeira. Qualifica a amarração do roteiro (que sozinho funciona, mas que complementa a história de White e Pinkman) e mergulha em personagens, de fato, motivadores. Não tem enrolação. Todos os universos de personagens se sustentam com maestria - de Kim, de McGill, de Pollos Hermanos, de Salamancas, de Mike. E mesmo muito antes de criar seu bordão, "É melhor ligar pro Saul", Jimmy McGill já era a estrela da festa e o celebrou em Better Call Saul.

Marina Mentz é jornalista e pesquisadora da Comunicação.

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